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A CONFISSÃO

Excerto do Romance "O Coração da Matéria"

Graham Greene (1904 - 1991)

10/21/20242 min ler

- Em nome do Padre, e do Filho e do Espírito Santo. Desde minha última confissão há um mês – disse Scobie – perdi uma missa de domingo e uma de dia santo de preceito.

- Alguma coisa o impediu?

- Sim, mas com um pouco de esforço eu poderia ter arranjado minhas obrigações melhor.

- Sim?

- Durante todo este mês tenho feito o mínimo. Fui desnecessariamente duro para com um de meus subordinados...

Fez uma longa pausa.

- É tudo?

- Não sei como dizê-lo, Padre, mas sinto-me... cansado de minha religião. Parece que nada significa para mim. Tentei amar a Deus, mas... – fez um gesto que o padre não podia ver, voltado do lado de lá da grade. - Nem mesmo certeza tenho de que alguma vez tivesse tido fé.

- É fácil – disse o padre – preocupar-se demais a respeito disso. Especialmente aqui. A penitência que eu daria a muita gente, se o pudesse, era a de seis meses de licença. O clima o deprime. É fácil confundir cansaço com... digamos, descrença.

- Não desejo retê-lo mais, Padre. Há outras pessoas esperando. Sei que isto são apenas fantasias. Mas eu sinto-me... vazio. Vazio.

- É este muitas vezes o momento escolhido por Deus – disse o padre. – Agora pode ir e rezar dez Ave-Marias como penitência, no seu rosário.

- Não tenho rosário. Pelo menos...

- Bem, cinco Padre-Nossos e cinco Ave-Marias então.

Começou a dizer as palavras da absolvição, mas o embaraço estava, pensava Scobie, em que não havia nada que absolver. As palavras não traziam sensação de alívio, porque não havia nada para aliviar. Eram uma fórmula: as palavras latinas atropeladas... puro malabarismo. Saiu do confessionário e ajoelhou-se de novo. Isto também fazia parte de uma rotina. Parecia-lhe por um instante que Deus era demasiado acessível. Não havia dificuldade em aproximar-se d’Ele. Como um demagogo popular, estava Ele pronto a receber o derradeiro de Seus partidários a qualquer hora. Erguendo a vista para a Cruz, pensou que Ele até mesmo sofria em público.

(Do livro “O Coração da Matéria”, Gráfica Editora Brasileira, Rio - S. Paulo, 1949 – Tradução de Oscar Mendes)

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A Confissão.

Giuseppe Molteni / 1838