priest standing beside altar

A CONSAGRAÇÃO DO TEMPO (Lv 23)

ARTIGOSLEITURAS DA LITURGIAPRTEOLOGIALV

Bispo Robert Barron (1959-)

No capítulo 23 de Levítico, o Senhor fala a Moisés sobre o sábado e as grandes festividades que devem marcar o ano, chamados de "festivais indicados" que santificam momentos específicos no tempo. O texto primeiro menciona a celebração que ocorre no "décimo quarto dia do mês" — a Páscoa — e então as duas festas que a acompanham de perto: a festa dos pães sem fermento e a festa das primícias. Os aspectos espirituais da Páscoa — proteção contra a morte, libertação da escravidão, o consumo do cordeiro sacrificial, etc. — são bem conhecidos. As festas relacionadas recordam, respectivamente, o pão sem fermento que Israel comeu na pressa de deixar o Egito, e a oferta de grãos feita ao entrar na Terra Prometida. Todas essas festas sagradas estão relacionadas ao grande ato de libertação de Deus e à passagem de Israel da escravidão para a liberdade.

Os Evangelhos utilizam essas festas sagradas para explicar o significado da obra redentora de Cristo. A Última Ceia, que nos evangelhos sinóticos é uma refeição pascal, e em João ocorre no dia em que os cordeiros pascais são sacrificados no templo, envolve a identificação do pão com o corpo de jesus sacrificado e do vinho com seu sangue derramado – está obviamente marcada por temas pascais. Além disso, a fuga apressada do Egito, simbolizada pelo pão sem fermento, antecipa a libertação do pecado realizada por Jesus, e a oferta das primícias antecipa o sacrifício de Jesus na cruz. As celebrações levíticas são, assim, elevadas a um contexto Cristológico de significado.

Sete semanas (ou aproximadamente cinquenta dias) após a celebração da Páscoa é a festa das "semanas", que viria a ser chamada de "Pentecostes", do termo grego para quinquagésimo. Inicialmente, era um festival relacionado à colheita da primavera, mas com o tempo começou a simbolizar o dom da Lei no Monte Sinai, evento que se acreditava ocorrer cerca de cinquenta dias após a fuga da Páscoa no Egito. Acompanhado por vento e fogo, o Deus de Israel inscreveu as leis em tábuas de pedra. Os Padres da Igreja estabelecem uma ligação entre este primeiro evento no Sinai e a seu eco por ocasião da festa de Pentecostes, quando o Espírito Santo, manifestando-se através do vento e de línguas de fogo, escreveu a sua vontade diretamente nos corações dos discípulos de Jesus (At 2,1-4).

Agora, essas festividades da primavera eram complementadas por três festas de outono, todas ocorrendo no sétimo mês, cerca de outubro na contagem moderna. Eram, primeiro, uma "santa convocação comemorada com toque de trombetas"; depois o grande Dia da Expiação; e finalmente, a festa dos tabernáculos ou tendas, que tinha a intenção de recordar o tempo em que o povo de Israel, tendo fugido do Egito, viveu em tendas no deserto. Embora não seja mencionado em Levítico, dois costumes passaram a ser associados à festa dos tabernáculos – a extração de água viva, evocativa de Moisés extraindo água da rocha no deserto, e o acender de lâmpadas, simbólico da coluna de fogo que guiou Israel em sua jornada.

Há uma notável conexão Cristológico com esta última celebração, pois a participação de Jesus na festa dos tabernáculos é referida no Evangelho de João. No início do sétimo capítulo de João, lemos:

"Depois disso, Jesus andava pela Galileia. Ele não queria andar pela Judeia, porque os judeus procuravam uma oportunidade para matá-lo. Ora, a festa dos Tabernáculos dos judeus estava próxima" (Jo 7,1-2).

Após alguma hesitação, aprende-se que Jesus subiu secretamente a Jerusalém para participar da festa. No meio da semana, presumivelmente quando a celebração estava em pleno andamento, "Jesus subiu ao templo e começou a ensinar" (Jo 7,14), atraindo considerável atenção. No último dia do festival, fazendo uma referência clara ao ritual de extração de água viva, Jesus clamou:

"Se alguém tem sede, venha a mim e beba aquele que crê em mim" (Jo 7,37-38).

E no capítulo 8, jogando com o tema dos tabernáculos do acender de lâmpadas, Jesus declarou:

"Eu sou a luz do mundo. Quem me segue nunca andará nas trevas, mas terá a luz da vida" (João 8:12).

A implicação é clara: Jesus está se apresentando como o Deus de Israel que deu água para o povo sedento no deserto e que guiou os viajantes até a Terra Prometida. Agora, Ele oferece vida àqueles que estão mortos em seus pecados e orientação àqueles que estão perdidos.

Assim como os rituais e sacrifícios do antigo templo são recapitulados em Jesus—"Eu lhes digo, algo maior do que o templo está aqui" (Mt 12:6) assim também as festas que santificam os ritmos do tempo encontram seu significado mais profundo nEle. O capítulo 23 do livro de Levítico antecipa toda a vida litúrgica da Igreja, percorrendo de forma cíclica o ano como um convite para participar do dinamismo da vida, morte e ressurreição de Jesus.


Excerto traduzido e adaptado do livro: BARRON, Robert. The Great Story of Israel: Election, Freedom, Holiness. Edição em inglês. Editora: Word on Fire, 2022. p. 95-98
Seleção, adaptação e Tradução: Rafael Andrade Filho

Abaixo deixo um texto esquemático das festividades descritas acima:

Festas e Rituais da Bíblia e seus Significados

  1. Páscoa (Passover)

    • Data: Quarto mês, 14º dia

    • Característica: Proteção contra a morte, libertação da escravidão do Egito

    • Simbolismo: Sacrifício do cordeiro, pão sem fermento, fuga rápida do Egito

    • Cristologia: Antecipação da libertação do pecado por Jesus e do Sacrifício de Jesus na Cruz

  2. Festividades relacionadas à Páscoa

    • Festa dos Pães Asmos: Comer pão sem fermento, lembra a pressa de deixar o Egito

    • Festa das Primícias: Oferta de grãos ao entrar na Terra Prometida

    • Significado: Momentos de libertação e passagem de escravidão para liberdade

  3. Pentecostes (Festa das Semanas)

    • Data: 50 dias após a Páscoa

    • Origem: Festival da colheita da primavera

    • Significado bíblico: Dar da Lei no Sinai, inscripção de Deus nas tábuas de pedra

    • Cristologia: Espírito Santo manifesta-se com vento e fogo, escreve na humanidade

  4. Festas do Outono

    • Data: Sétimo mês (aproximadamente outubro)

    • Festividades:

      • Santa convocação com trombetas: Chamada para oração e reflexão

      • Dia da Expiação (Yom Kippur): Reconciliação e perdão

      • Festa dos Tabernáculos (Booths):

        • Característica: Lembrança das tendas no deserto

        • Costumes tradicionais: Extração de água (Moisés no deserto), acender lâmpadas (coluna de fogo)

        • Cristologia: Jesus participa, oferecendo água viva e se apresenta como luz do mundo


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