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CRISTO TORNOU-SE SACERDOTE (Hb 5, 1-10))

LEITURAS DA LITURGIAPRHB 5

Papa Bento XVI - Joseph Ratzinger (1927-2022)

"Todo sumo sacerdote é tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens, nas coisas que se referem a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Sabe ter compaixão dos que estão na ignorância e no erro, porque ele mesmo está cercado de fraqueza. Por isso, deve oferecer sacrifícios tanto pelos pecados do povo, quanto pelos seus próprios. Ninguém deve atribuir-se esta honra, senão o que foi chamado por Deus, como Aarão. Deste modo, também Cristo não se atribuiu a si mesmo a honra de ser sumo sacerdote, mas foi aquele que lhe disse: `Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei` Como diz em outra passagem: `Tu és sacerdote para sempre, na ordem de Melquisedec`. Palavra do Senhor." (Hb 5, 1-6)

É precisamente no seu bradar, chorar e rezar que Jesus faz o que é próprio do Sumo Sacerdote: Ele leva o tormento de ser homem para o alto rumo a Deus. Leva o homem à presença de Deus.

Com duas palavras, o autor da Carta aos Hebreus evidenciou essa dimensão da oração de Jesus. A palavra "levar" (prosphérein: levar diante de Deus, levar para o alto — cf. Hb 5,1) é uma expressão da terminologia do culto sacrificial. Com isso, Jesus realiza o que de mais fundo acontece no ato do sacrifício. "Ofereceu-Se para fazer a vontade do Pai": comenta Albert Vanhoye (Accogliamo Cristo, p. 71). A segunda palavra, importante aqui, diz que Jesus aprendeu a obediência daquilo que sofreu e desse modo "Se tornou perfeito" (cf. Hb 5,8-9). Vanhoye observa que o termo "tornar perfeito" (teleioün) no Pentateuco os cinco livros de Moisés — é usado exclusivamente no significado de "consagrar sacerdote" (p. 75). A Carta aos Hebreus adota essa terminologia (cf, 7,11, 19,28), Portanto, esse texto diz que a obediência de Cristo, o "sim" extremo ao Pai, a que Ele chega, na luta interior no monte das Oliveiras, por assim dizer O "consagrou sacerdote"; nisso mesmo, na sua autodoação, no levar a humanidade para o alto rumo a Deus, Cristo tornou-Se sacerdote no verdadeiro sentido "segundo a ordem de Melquisedec" (CL Hb 5,9-10; ver Vanhoye, Accogliamo Cristo, PP. 74-75).

Mas agora devemos embrenhar-nos na afirmação central da Carta aos Hebreus quanto à oração do Senhor no sofrimento. O texto diz que Jesus dirigiu súplicas Àquele que O podia salvar da morte e, "por causa da sua piedade, foi atendido" (5,7). Mas Ele foi verdadeiramente atendido? Na verdade, morreu na cruz! Assim, Harnack defendeu que aqui deveria ter-se perdido um "não"; e Bultmann segue-o. Mas a explicação que vira o texto ao contrário não é uma explicação. Em vez disso, devemos procurar compreender esse modo misterioso de "atendimento", para, assim, aproximarmo-nos também do mistério da nossa salvação.

Podem-se individuar diversas dimensões de tal atendimento. Uma possível tradução desse texto seria: "Foi atendido e liberto da sua angústia". Isso corresponderia ao texto de Lucas, segundo o qual veio um anjo e confortava-O (cf. 22,43). Nesse caso, tratar-se-ia da força interior que foi dada a Jesus na oração, de tal modo que depois Ele foi capaz de enfrentar decididamente a prisão e a Paixão. Obviamente, porém, o texto significa mais do que isto: o Pai levantou-O da noite da morte. Na ressurreição, salvou-O definitivamente da morte para sempre: Jesus não morre mais (cf. Vanhoye, pp. 71-72). Mas provavelmente o texto significa ainda mais. A ressurreição não é apenas a salvação pessoal de Jesus da morte. De fato, Ele não Se encontrou nesta morte só para Si. A sua morte foi um morrer "pelos outros"; tratou-se da superação da morte como tal.

Seguramente, desse modo pode-se compreender o atendimento também a partir do texto paralelo em João 12, 27-28, na qual à oração de Jesus "Pai, glorifica o Teu nome", a voz do Céu responde: "Eu 0 glorifiquei e O glorificarei novamente". A própria cruz tornou-se glorificaçâo de Deus, manifestação da glória de Deus no amor do Filho. Essa glória ultrapassa o momento e permeia a história na sua vastidão inteira. Essa glória é vida. Na própria cruz aparece, de modo velado e todavia insistente, a glória de Deus, a transformação da morte em vida.

Da cruz, vem ao encontro dos homens uma vida nova. Na cruz, Jesus torna-Se fonte de vida para Si mesmo e para todos. Na cruz, a morte é vencida. O atendimento de Jesus diz respeito à humanidade no seu todo: a sua obediência torna-se vida para todos. E assim esse texto da Carta aos Hebreus conclui, coerentemente, com estas palavras: Jesus "tornou-Se, para todos aqueles que Lhe obedecem, causa de salvação eterna, Ele, que foi proclamado por Deus sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec" (5,9; cf. SI 110,4).”

Excerto de RATZINGER, J. Jesus de Nazaré: Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. 2. ed. São Paulo: Planeta, 2017. p 152-154.

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