painting of man walking down a road holding umbrella

É POSSÍVEL ALEGRAR-SE SEMPRE? (Fl 4, 4-7).

Nosso primeiro fundamento - Cristocentrismo inabalável

Rafael Andrade Filho

12/16/20245 min ler

Na Carta aos Filipenses, Paulo nos dá, talvez uma das mais significativas lições sobre a vida espiritual, ao nos dizer: "Alegrai-vos sempre no Senhor. Volto a dizê-lo: alegrai-vos." Esta exortação nos levanta uma questão intrigante: como podemos nos alegrar SEMPRE? É fácil ficar alegre em momentos de celebração, como nas conquistas ou diante de boas notícias, mas e nas dificuldades? Quando enfrentamos decepções ou recebemos uma má notícia de um médico ou vemos um sonho ir por água abaixo, esse comando - "Alegrai-vos!" - pode até mesmo parecer insensível. Pode alguém ser comandado a alegrar-se sempre?

Acontece que Paulo não está falando de uma alegria superficial, aquela que oscila de acordo com as circunstâncias, mas de algo diferente e mais profundo. Ao contrário das emoções passageiras, a verdadeira alegria é um estado que pode ser cultivado independentemente das circunstâncias. É uma paz interior, que nos sustenta, mesmo em meio às tempestades da vida. E onde está essa paz? Paulo mesmo nos oferece a resposta: "...no senhor". Note que o Apóstolo usa a preposição "no" e não outra preposição como "com" ou "pelo" Senhor, significando que podemos nos alegrar sempre, no contato íntimo com Jesus.

A metáfora da Roda da Vida, encontrada em muitas catedrais e manuscritos medievais, pode nos ajudar a compreender melhor esta verdade. A Roda da Vida, como as das figuras abaixo, era essa grande roda, no topo da qual está um rei, e ele está reinando e possui fortuna. Mas a roda está girando e então vemos o rei perdendo sua coroa e se agarrando à roda para não cair. A roda gira mais um pouco e ele vai para o fundo e lá vira um indigente, alguém sem nenhum poder ou fortuna. E então a roda continua girando e podemos vê-lo subindo de volta ao topo. Assim é vida: experimentamos o sucesso, o fracasso e as duas condições no meio. Experimentamos altos e baixos emocionais e os dois estados intermediários.

[1] Música How can I keep from Singing, de autoria do ministro batista Robert Lowry, mais modernamente gravada pela cantora Enya no single de mesmo nome. Ouça a música no vídeo abaixo, com legendas em português.

A questão é que a maioria de nós vive tragicamente na periferia da roda, dando voltas e voltas, indo do júbilo à depressão. Num dia meu negócio estava indo muito bem e eu estava ótimo, más agora estou quebrado. Eu tinha muitos amigos e, de repente, tive que me mudar da cidade. Agora não tenho mais amigos. Estava saudável no ano passado, e agora passo todo o meu tempo em consultórios médicos e no hospital. Essas fases da vida estão além de nosso controle.

No entanto, no centro da roda notamos alguém que não se move. Nele há a imagem de Cristo. E à medida que a roda da vida gira, Ele permanece o mesmo ontem, hoje e sempre. "Alegrai-vos sempre no Senhor", equivaleria dizer: "Não viva na periferia da roda da vida, não viva na superfície de suas emoções e sensações. Viva no centro da roda, no seu interior, em sua alma, onde Deus habita. Lance seus alicerces no Senhor e assim poderá alegrar-se sempre". E então poderemos adotar uma atitude de desapego saudável e, mesmo que enfrentemos dificuldades, podemos mantê-las em perspectiva. A verdadeira alegria vem do fato estarmos enraizado em Cristo, de termos com ele um relacionamento íntimo, de nos abandonarmos à sua providência e à sua vontade. Ele é o único que pode nos dar a verdadeira paz e alegria. Isso nos permite não apenas enfrentar a vida, mas vivê-la plenamente, independentemente das circunstâncias externas, pois já não habitamos mais naquele espaço temporal onde tudo muda, mas sim no espaço da eternidade de Cristo, que nunca muda.

Uma linda canção cristã, composta em 1868 [1], diz: "Nenhuma tempestade pode abalar minha calma enquanto estou agarrado àquela rocha". É disso que estamos falando aqui! Enquanto estivermos agarrados à Rocha (no Senhor) nenhuma tempestade pode abalar nossa calma. Em outras palavras: No Senhor, não estaremos vivendo na tempestade mas naquele lugar central a partir do qual podemos examinar a tempestade como algo extrínseco ao que há de mais profundo em nós.

Muito bem, e como é que eu lanço meus alicerces no Senhor? Pela Oração. A oração é o meio pelo qual elevamos nossas almas e nossos corações a Deus. A oração é mover-se conscientemente para para este espaço onde Deus habita. Então, quando rezamos nossas orações matinais e vespertinas, nosso terço, quando vamos à missa e fazemos uma leitura espiritual e, principalmente, quando conversamos sinceramente com Deus, estamos nos movendo da periferia para o centro da roda da vida, para este "lugar" onde não experimentamos ansiedade e onde podemos nos alegrar sempre. É por isso que Paulo ainda acrescenta: "Não vos inquieteis com nada; mas apresentai a Deus todas as vossas necessidades pela oração e pela súplica, em ação de graças. Então a paz de Deus, que excede toda a compreensão, guardará os vossos corações e pensamentos, em Cristo Jesus."

São muitos os exemplos de santos que viveram e nos testemunharam essa verdade. Por que Madre Teresa poderia ter aquele sorriso radiante enquanto vivia e trabalhava na pior favela do mundo? O que permitiu que São Thomas More caminhasse para sua própria execução fazendo piadas e tratando bem seus executores? O que permitiu a Walter Ciszek suportar vinte anos de trabalhos forçados nos campos de prisioneiros soviéticos e não perder a fé? Ou o que permitiu ao próprio São Paulo, "açoitado várias vezes, apedrejado, que sofreu naufrágios, passou por perigos enormes, em trabalhos e fadiga, em vigílias, muitas vezes, em fome e sede, em jejum, em frio e nudez e ainda dizer que "nada pode nos separar do amor de Deus?" Todos eles habitavam no centro da roda da vida, todos eles habitavam em Cristo, todos eles podiam também dizer: "já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim."

Diante desta compreensão, podemos aceitar esta exortação do Apóstolo: "Alegrai-vos sempre no Senhor". A alegria verdadeira não é fruto de nossas conquistas ou circunstâncias favoráveis, mas está enraizada em nosso relacionamento com Deus. Celebremos essa alegria, não apenas em palavras, mas em nossas vidas diárias.

Piso da Catedral de Siena, Itália

Manuscrito Medieval encontrada em monastério beneditino, Alemanha.