
JESUS DEU GRAÇAS
Antonio Carlos Santini (Jo 6,1-15)
É preciso contemplar as narrativas do Evangelho com mais demora, mais atenção aos detalhes. Afeitos à linguagem televisiva, que bombardeia nosso olhar com imagens que não duram 3 segundos, vamos perdendo a capacidade de contemplar. Ficamos, assim, na casca das coisas...
Nesta narrativa da multiplicação dos pães, distraídos com as quantidades e os impossíveis, deixamos de gravar um gesto de Jesus: ao tomar nas mãos os poucos pães, Jesus “dá graças”. No texto grego original do evangelista João, “eucharistésas”, um verbo com o mesmo radical de “Eucaristia”.
E por que motivo Jesus dá graças? Por cinco humildes pães de cevada (cf. Jo 6,9). Só isto?! Só isto... Então, vamos esquecer o milagre que viria depois, os doze cestos de sobras, o espanto geral. Vamos deter-nos no detalhe que passa batido: na raiz do fenômeno, uma “ação de graças”.
Ora, nós talvez déssemos graças a Deus pela cura do câncer, pelo salvamento de um naufrágio, pelo prêmio da loteria. São coisas grandes! Situações que dão manchete. Mas dar graças por uma ninharia dessas?!
Aí está: perdemos a capacidade de agradecer pelo pouco. Pelo comum. Pelo trivial. Ou - para usar uma expressão do Evangelho – pelo pão de cada dia. Aqueles dons de todo dia não merecem nossa gratidão.
E quais são eles? A luz do sol... o ar que respiramos... a água da torneira... o beijo da mãe... o abraço do pai... a presença dos amigos... o emprego que ainda temos... o cafezinho do intervalo... o sorriso da recepcionista...
Os pequenos milagres passam por nós como se fossem direitos adquiridos. Perderam o seu rosto de “dom”. Não há por que agradecer... Se fosse algo maior, mais caro, talvez agradecêssemos. E sob a pele da ingratidão, a falta de fé!
Aprendi com Claude Rault que há dois tipos de fé: uma que brota dos sinais e outra que nasce da Palavra. A primeira é instável e imperfeita: quando o sinal falta ou não é bem traduzido, corre o risco de naufragar. A outra – que germina com a Palavra acolhida – é a fé que chegou ao cume da maturidade. Daí, a afirmação de Jesus: “Felizes os que creram sem ter visto!” (Jo 20,29) Bastou a Palavra para alicerçar a fé...
Pode ser que ainda esperamos de Deus um grande milagre, algo impossível às limitações da condição humana. Enquanto isso, não agradecemos os pequenos milagres de cada dia...
Orai sem cessar: “Entoai ação de graças ao Senhor!” (Sl 147,7)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
Leitura do Evangelho de São João 6, 1-15.
A multiplicação dos pães —1 Depois disso, passou Jesus para a outra margem do mar da Galileia ou de Tiberíades. 2 Uma grande multidão o seguia, porque tinha visto os sinais que ele realizava nos doentes. 3 Subiu, então, Jesus à montanha e aí se sentou com os seus discípulos. 4 Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. 5 Levantando Jesus os olhos e vendo a grande multidão que a ele acorria, disse a Filipe: “Onde compraremos pão para que eles comam?” 6 Ele falava assim para pô-lo à prova, porque sabia o que iria fazer. 7 Respondeu-lhe Filipe: “Duzentos denários de pão não seriam suficientes para que cada um recebesse um pedaço”. 8 Um de seus discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, lhe disse: 9 “Há aqui um menino, que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas que é isso para tantas pessoas?” 10 Disse Jesus: “Fazei que se acomodem”. Havia muita grama naquele lugar. Sentaram- se pois os homens, em número de cinco mil aproximadamente. 11 Tomou, então, Jesus os pães e, depois de dar graças, distribuiu-os aos presentes, assim como os peixinhos, tanto quanto queriam. 12 Quando se saciaram, disse Jesus a seus discípulos: “Recolhei os pedaços que sobraram para que nada se perca”. 13 Eles os recolheram e encheram doze cestos com os pedaços dos cinco pães de cevada deixados de sobra pelos que se alimentaram. 14 Vendo o sinal que ele fizera, aqueles homens exclamavam: “Esse é, verdadeiramente, o profeta que deve vir ao mundo!” 15 Jesus, porém, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo, sozinho, na montanha.
Fonte: Bíblia de Jerusalém
O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES E DOS PEIXES
Bartolomé Esteban Murillo/ 1605
Hospital e Igreja da Santa Caridade, Sevilha, Espanha

