NO MUNDO DOS ICONES 2

A Crucificação

NO MUNDO DOS ÍCONESCULTURAJO 12MC 15RM 5

Antonio Carlos Santini

6/13/20242 min ler

A Crucificação

Este expressivo Ícone da Crucifixão é de origem russa, medindo 70,5 x 55cm, e foi escrito na segunda metade do Séc. XVI.

Entre os cristãos gregos, este modelo tem o nome de “staurosis” (do gr. staurós, a cruz).

Em posição central, vemos Jesus crucificado. Seu formato sinuoso alude à serpente de bronze no deserto (cf. Nm 21), que Moisés erguera em um poste, a mando do Senhor Yahweh, para que fossem curados do veneno das serpentes todos aqueles que erguessem os olhos para ela. Os Padres da Igreja primitiva viram nessa serpente um “tipo” bíblico do Salvador. O próprio Jesus referiu-se indiretamente a esse “olhar”: “Quando eu for erguido da terra, atrairei todos a mim”. (Jo 12,32.)

Ao fundo, veem-se duas muralhas: os muros da cidade e os muros do Templo de Jerusalém, denunciando a dupla rejeição sofrida pelo Messias: recusado pela sociedade e pelo status religioso da época. De fato, Jesus é crucificado “do lado de fora”, em dupla exclusão.

No alto do ícone, dois anjos que descem em voo vertiginoso representam o mundo celeste que se espanta diante do drama do Calvário. Um deles traz a toalha vermelha, que aponta para o sacrifício cruento do Filho de Deus.

Abaixo da cruz, a mancha escura representa o Xeol (a mansão dos mortos), onde se vê a caveira de Adão, o primeiro homem. Assim, o poste vertical da cruz restabelece o canal rompido no Gênesis, re-ligando Deus e a humanidade. A terra e os céus voltam a estar em comunhão. A crucifixão regenera o velho Adão com a morte de Jesus, o novo Adão (cf. Rm 5,12ss).

Na horizontal, o braço da cruz reúne as mulheres e os homens. Reúne também a Toda-Santa (Maria) e a pecadora (Madalena). Aproxima ainda o judeu (João, apóstolo) e o romano (o centurião Longino). Assim, Paulo poderá escrever sem hesitação: “Já não há mais judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher, pois todos sois um só, em Cristo Jesus”. (Gl 3,28.) Nesta aproximação dos que viviam separados, manifestam-se os efeitos “sociais” da salvação em Cristo, rompendo as barreiras étnicas, sociais e de sexo que mantinham as pessoas em grupos fechados.

À direita, a mão erguida de Longino alude ao testemunho do centurião romano no instante da morte de Jesus: “Este homem era verdadeiramente o Filho de Deus!” (Mc 15,39.)

O fundo dourado ilumina toda a cena. Ao contrário das pinturas ocidentais, que deixam o cenário do Gólgota em profundas sombras, os ícones do Oriente realçam a Luz incriada, ou seja, a Presença divina, cuja Graça invade o espaço redimido e dilui as trevas da humanidade.

“A vida adormeceu e o inferno treme de espanto.” (Ofício do Sábado Santo, entre os ortodoxos.)

É importante saber...

Os ícones das Igrejas do Oriente eram escritos (não se diz “pintados”, pois são “evangelhos em imagem”) por monges que entravam em jejum e oração até que lhes fosse dada a visão a ser registrada na madeira.

A luminosidade excepcional desses trabalhos era obtida com uma têmpera de gema de ovo, aplicada sobre um retábulo de madeira lisa, recoberto de gesso. (ACS)