O ÍCONE DA TRANSFIGURAÇÃO

CULTURANO MUNDO DOS ÍCONESPRMT 17MC 9LC 9

Antonio Carlos Santini

8/7/2025

No Ano Litúrgico, nós celebramos a festa da Transfiguração do Senhor a 6 de agosto. Segundo os Santos Evangelhos (cf. Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36), Jesus sobe com Pedro, Tiago e João a uma alta montanha, que a Tradição identifica com o Monte Tabor. Ali os apóstolos veem Jesus transfigurado em uma luz que superava toda iluminação terrestre. Trata-se, pois, de uma teofania, ou seja, uma manifestação da própria divindade. No texto do Evangelho, a voz que sai da nuvem identifica Jesus como o Filho de Deus Pai.

No ícone, esta iluminação é figurada por um medalhão com círculos concêntricos de radiação, tendo as vestes de Jesus a máxima alvura (cf. Mt 17,2). Ao mesmo tempo, a luz parece cegar Tiago e João, incapazes da visão frontal do próprio Deus, praticamente fulminadas pela visão. Pedro, no entanto (em baixo, à direita), consegue segurar um raio de luz proveniente de Cristo. Logo o apóstolo que, antes de subir à montanha, havia identificado Jesus como “Filho do Deus vivo” (cf. Mt 16,16).

Em sua Segunda Carta (1,16-18), São Pedro recorda a cena da Transfiguração, da qual foram “testemunhas oculares” [epóptai]. Seguindo a narrativa do Evangelho, Jesus está acompanhado de Moisés (à direita, com o livro na mão) e Elias (à esquerda), representando respectivamente a Lei e a Profecia, as duas vias que anunciavam o Messias no Antigo Testamento. Sendo a montanha, na Bíblia, o lugar do sacrifício, as três personagens conversam sobre a morte próxima de Jesus, em Jerusalém (cf. Lc 9,31).

A construção do ícone nasce de um triângulo, em cujo ápice está o Cristo transfigurado em luz. Um movimento vertical ascensional indica que toda a Criação se lança em um impulso para o Criador. Para São Basílio, a Transfiguração de Jesus deve ser entendida como uma antecipação de sua parusia. A metade inferior do ícone, com seu terreno escarpado, representa o mundo dos homens, marcado pelo temor e pela agitação, em visível contraste com a parte superior, dominada por extrema serenidade.

Todo monge do Oriente que era iniciado na “arte divina” começava por escrever o Ícone da Transfiguração, para aprender que seu trabalho não dependia das cores, mas da própria luz do Tabor. A festa da Transfiguração recorda aos fiéis que eles são chamados à participação na vida divina, quando também a natureza humana será transfigurada na luz de Cristo. Nas palavras de Simeão, o Novo Teólogo, “assim esta Luz, recebendo-vos em seu seio, de um modo inefável, vos transformará por inteiro nele mesmo (o Cristo), de corruptíveis que sois, em incorruptíveis; de mortais, em imortais; fazendo-vos renascer não mais como filhos dos homens, mas filhos de Deus por adoção e por graça”.

É importante saber... Nos ícones das Igrejas do Oriente, nada é acrescentado como elemento meramente ornamental, mas cada detalhe obedece a uma intenção doutrinária e teológica, subordinando com extrema disciplina a subjetividade do artista sagrado, que deve obedecer a normas e modelos recebidos da Tradição. (ACS)