
O JUBILEU E A RENOVAÇÃO SOCIAL E ESPIRITUAL (Lv 25, 8-17)
ARTIGOSLEITURAS DA LITURGIAPRTEOLOGIALV
Rafael Andrade Filho
"O Senhor falou a Moisés no monte Sinai, dizendo: 'Declararás santo o quinquagésimo ano e proclamarás a libertação para todos os habitantes do país; será para vós um jubileu. Cada um de vós poderá retornar à sua propriedade e voltar para a sua família' ". (Lv 25, 10)
No Levítico, lemos que o quinquagésimo ano deveria ser designado como um jubileu (ou seja, um ano de libertação ou troca), no qual todo o povo deveria descansar do cultivo da terra e todas as dívidas deveriam ser canceladas. Um israelita podia, se impelido pela necessidade, vender-se a algum vizinho mais rico; mas o comprador era proibido de obrigá-lo a servir com rigor, como os egípcios haviam feito. O servo devia ser tratado como um servo contratado e um peregrino, não como um escravo indefeso; e seu serviço devia durar apenas até o ano seguinte do jubileu no qual o servo era libertado e sua família com ele. Seus bens também lhe eram restituídos. Este ato pode ser considerado uma violação da justiça terrena, mas é um exemplo notável da lógica da gratuidade e uma imitação consciente da generosidade de Deus, ilustrando que atos de perdão e generosidade transcendem a justiça estrita, refletindo a misericórdia divina.
São Beda (672–735) oferece uma reflexão sobre o simbolismo espiritual do Jubileu e o relaciona ao Pentecostes. Ele afirma: "Esse mandamento bíblico estabelece um ciclo divino de renovação e perdão", e liga essa ideia à celebração cristã de Pentecostes, observando que: "a graça do Espírito Santo veio sobre os Apóstolos no quinquagésimo dia da Ressurreição do Senhor e santificou o início da Igreja que estava sendo criada...esse número, portanto, pode ser corretamente associado à graça do Espírito Santo e à alegria da bem-aventurança futura". Beda conclui que o verdadeiro descanso e alegria vêm da graça divina e da renovação espiritual, qualidades simbolizadas pelo ano do Jubileu.
Mais modernamente, o Papa São João Paulo II pediu um renascimento do Jubileu bíblico, especialmente para enfrentar as injustiças econômicas globais contemporâneas. Em sua encíclica "Tertio Millennio Adveniente," ele exorta as nações mais ricas a perdoar as dívidas dos países mais pobres que sob o peso dessa obrigação não conseguiam se desenvolver e expandir, sugerindo que somente uma lógica enraizada na generosidade divina pode levar a uma renovação econômica genuína.
Enquanto São Beda mostra que o jubileu simboliza mais do que apenas um ajuste legal ou econômico pois incorpora a misericórdia divina e a promessa da renovação e alegria espiritual através da graça do Espírito Santo, o Papa São João Paulo II destaca que a "lógica da gratuidade" exige-nos atos de bondade e generosidade para o verdadeiro progresso social. Ambos, Beda e João Paulo II, convergem para o fato de que a renovação — seja espiritual ou social— requer a incorporação da generosidade e da misericórdia divina.
Referências Bibliográficas:
Papa João Paulo II. (1994). Tertio Millennio Adveniente. Vaticano. Disponível em https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/1994/documents/hf_jp-ii_apl_19941110_tertio-millennio-adveniente.html
Bede. (1994). On the Tabernacle (A. G. Holder, Trans.). Liverpool University Press. (Original work publicado na era medieval, tradução disponível em [volume 18] da coleção Translated Texts for Historians)