PENTECOSTES EM DUAS PINTURAS: CLÁSSICA E CONTEMPORÂNEA (At 2, 1-11)

PINTURASCULTURAAT 2PR

Rafael Andrade Filho

6/8/2025

NO SEGUNDO CAPÍTULO DO LIVRO DE ATOS, há uma grande teofania (uma revelação divina) que ultrapassa e transforma os discípulos do Senhor Jesus. O evento é descrito laconicamente pelo autor do texto, que apresenta os sinais que acompanharam esta revelação: um vento forte e impetuoso, o aparecimento de línguas de fogo e a súbita manifestação de uma estranha capacidade de falar novas línguas. Esses sinais indicam a presença do Espírito Santo, a terceira pessoa da Trindade, que Cristo havia prometido que se manifestaria a seus discípulos após o cumprimento de sua missão terrena de sofrer, morrer e ressuscitar dos mortos.

Esta teofania culmina com os discípulos do Senhor Jesus impelidos a sair em missão, e os dons que receberam, particularmente o dom das línguas, atordoam aqueles que os discípulos encontram. A transformação dos discípulos é óbvia para todos, provocando espanto e perplexidade, e deixando aqueles que os encontram em busca de uma explicação.

A apresentação dessa cena na arte muitas vezes combina a descrição da teofania no segundo capítulo de Atos com a descrição da comunidade de discípulos no primeiro capítulo. O autor apresenta a Igreja primitiva como uma micro-realidade - os apóstolos reunidos com a mãe do Senhor Jesus, membros da família terrena de Cristo e as mulheres que o seguiram. O que temos aqui é uma representação arquetípica da macro-realidade da Igreja ao longo dos tempos, manifestada em suas realidades celestiais e terrenas, com a mãe de Cristo representando a maternidade da Igreja, os Apóstolos representando o governo e o sacerdócio da Igreja, e a família e os seguidores do Senhor Jesus representando todos os fiéis que o Senhor atrai para si. Estes são aqueles a quem o Espírito Santo capacita para a missão, enviando-os ao mundo. Eles existem na terra e no céu, uma vasta "nuvem de testemunhas" (Hb 12:1) que são justamente chamadas de comunhão dos santos.

Gostaria de abordar duas representações artísticas ao longo do tempo e, consequentemente de diferentes estilos, que no entanto nos dão enfoques complementares para nos ajudar a contemplar Pentecostes.

A pintura "Pentecostes" de El Greco, de 1600, é uma obra que manifesta de forma profunda e visceral o momento bíblico de Pentecostes em que Espírito Santo desce sobre os apóstolos. Situada na tradição do Renascimento, a obra destaca-se pelo uso dramático de cores, curvas expressivas e composições verticais que reforçam sua intensidade espiritual.

El Greco encarna na sua obra uma visão mística, onde o divisor entre o humano e o divino se torna tênue. A expressão facial dos apóstolos e o movimento súbito das mãos representam não apenas uma narrativa bíblica, mas também uma experiência espiritual intensa: a conexão direta com o divino, a manifestação do Espírito Santo como força transformadora. El Greco realizou uma transformação singular do tema tradicional, eliminando referências espaciais convencionais para enfatizar o sentido ascendente da composição e a transformação espiritual do momento, transmitidos através da técnica vigorosa e emocional. A cena é organizada numa estrutura estreita e alongada, com figuras dispostas em um espaço escalonado, que transmite uma sensação de movimento e fervor espiritual para o alto e do alto, convidando o observador a contemplar o mistério da ação divina no mundo.

Os dons transmitidos pelo Espírito no início permanecem, mas novos dons também se manifestaram ao longo do tempo, e também merecem ser marcados, apreciados e lembrados. O Pentecostes, a vinda do Espírito Santo, está acontecendo agora mesmo, e se não estivesse acontecendo, a Igreja não seria uma realidade viva, mas apenas um artefato. A Igreja é verdadeiramente o Corpo de Cristo, o prolongamento da Encarnação no espaço e no tempo, e o Espírito Santo é o princípio vivificante que anima este Corpo e lhe dá vida. "O Pentecostes" mostra ao espectador tanto a forma da Igreja quanto o dinamismo do Espírito Santo que transmite à Igreja seus muitos dons divinos. Estes dons dão vida à Igreja e, através da Igreja, dão vida ao mundo, dando assim continuidade à grande teofania do Espírito Santo.

Notar Detalhes:

Fogo e água: Uma das características mais marcantes da pintura é o dinamismo vívido do fogo e da água. O fogo, representado pela lava derretida, cai em cascata como um líquido, espelhando o movimento da água. Em ambos os elementos, vemos o poder criado do Espírito Santo. O calor da lava derretida, iluminado por dentro, é um símbolo da alma habitada pelo Espírito Santo. A água é um símbolo da própria vida que, desamarrada pelo Espírito purifica e redime.

Um vídeo sobre a obra e o processo de criação de Michael Stevens foi publicado no YouTube.

A Pintura de Michael Stevens "O Pentecostes", de 2021, interpreta esse evento de uma maneira que é simultaneamente tradicional e contemporânea e, ao fazê-lo, posiciona a revelação do Espírito Santo não apenas como um evento lembrado do passado, mas como um evento que acontece perenemente, até o presente. Ele faz isso por meio da justaposição de formas e estilos artísticos. A obra é derivada principalmente do mestre espanhol e frade dominicano Juan Bautista Maíno (1581-1649), mas vemos também a influência de Paul Cézanne (1839-1906) e até mesmo obras experimentais de arte contemporânea.

O Espírito Santo se move na Igreja através do tempo, e a interpretação de Michael Stevens da atividade do Espírito no início aponta para a continuação de sua presença e poder em todos os momentos, para que não pensemos erroneamente na Igreja como existindo em uma espécie de estase, com o passado sendo nosso único ponto de referência para a manifestação do Espírito na vida da Igreja.

Notar o detalhe da figura de Maria, sentada e ladeada por um grande grupo de apóstolos, forma um friso de cabeças expressivas, reforçando a união e a intensidade do evento. Algumas figuras na parte inferior repetem gestos de surpresa e reconhecimento, enquanto a Virgem aparece com as mãos em oração, simbolizando a receptividade ao Espírito Santo.