PERMANECEI EM MIM!

Nosso Segundo Fundamento: Nutridos pela Eucaristia

ARTIGOSORAÇÃO E SANTIFICAÇÃOJO 15

Antonio Carlos Santini

6/18/20248 min ler

om a alegoria da “Videira verdadeira” (Jo 15,1-8), o Mestre nos traz várias lições sobre a vida espiritual e a vida da Igreja. Uma delas fala-nos de nossa dependência de Cristo. A imagem das varas da videira que não podem subsistir sem o cepo, de onde recebem a seiva da vida, retrata com perfeição a nossa condição espiritual: dependemos do Senhor.

Cabe ao Pai – o “Agricultor” – cuidar de sua Videira (o Filho e, por extensão, o seu Corpo, que é a Igreja), o que inclui os ramos, a folhagem, os frutos. Se uma vara se mostra ressequida, estéril, sugando inutilmente a força do tronco, é a hora de cortá-la. Separada da fonte de vida, murcha, seca e vai ao fogo. Se o ramo dá fruto, convém podá-lo para que dê ainda mais fruto. O Pai, que plantou a vinha, espera pelos frutos. Aliás, tem direito a eles!

O ícone bizantino da “Videira” mostra um tronco todo músculos e prata, com Cristo sentado na parte mais alta, tendo no colo o Livro aberto (= Cristo é a Palavra, o Verbo). Com os braços abertos, ele abençoa os ramos, fortes galhos onde estão sentados os Doze apóstolos: alguns voltados para o Cristo, outros voltados para os companheiros. E aí se nota uma dupla “comunhão”: a vertical, entre o ramo e o tronco; a horizontal, entre ramo e ramo.

Mas é a mesma “seiva” que a todos vivifica. Elaborada pela raiz, ela passa pelo Tronco (Jesus) e chega aos ramos (os fiéis, membros de um Corpo onde Cristo é a Cabeça). No conjunto, vê-se a Pessoa mística da Igreja, onde o dinamismo do Espírito Santo permite que todos nós demos frutos de salvação.

Jesus nos dá uma garantia: se depender dele, estaremos sempre unidos. Nós, porém, não somos galhos inertes. Temos liberdade, arbítrio, e estamos sujeitos a seduções, apelos e tentações do mal. Podemos usar mal a nossa liberdade e cometer uma autêntica mutilação, separando-nos do Tronco em louca tentativa de autonomia.

Daí a exortação do Senhor Jesus: “Permanecei em mim e Eu permanecerei em vós”.(Jo 15, 4.) Só nos faltaria a Graça divina se nós mesmos a recusássemos. E para que nenhum de nós se iluda com a possibilidade de fazer o bem apenas com esforço e boa vontade (aliás, uma velha heresia: o pelagianismo, que se apoia na natureza, dispensando a Graça!), Jesus adverte: “Sem mim, nada podeis fazer!” (Jo 15, 5b.)

Jesus insiste no estado de “permanência”. Em 4 versículos, temos 9 vezes o verbo “permanecer”. Em sua etimologia, o verbo significa “ficar por inteiro, completamente”. Assim como um ramo enxertado no tronco recebe dele – exclusivamente – sua seiva, alimentação e vida. E assim, só devido à sua inserção no tronco é que pode produzir fruto.

Permanecer é viver. É resistir à violência do vento e aos ardores do sol, pois a vida que vem do tronco é garantia de sobrevivência e de abundante colheita. Ao contrário, amputar-se do tronco é optar pela inanição e pela morte, por um fim estéril e sem esperança.

“Jesus acaba de instituir a Eucaristia – comenta o Pe. Ceslas Spicq -, graças à qual permanecerá fisicamente presente entre os seus. Compara a união existente entre ele e seus discípulos com este “sangue da vinha”, com a videira e seus ramos, O sentido da alegoria é tal vínculo. O único problema vital para os ramos é permanecerem unidos ao tronco, condição essencial para produzirem frutos (a vinha é um símbolo da fecundidade (cf. Sl 128, 3; Ex 10).”

A alegoria de João 15 me inspirou o soneto “RAMO DA VIDEIRA”:

Eu quero ser um ramo da videira,

Enxertado no tronco de Jesus,

E exposto ao Sol divino, em plena luz,

Hei de frutificar a vida inteira!

É Jesus a videira verdadeira:

Da seiva que seu tronco me conduz,

A Vida passa por meus galhos nus

E nova primavera já se abeira...

Senhor, mesmo na bruma mais espessa,

No teu Amor eu sempre permaneça

Como quem persevera e não se cansa!

Faz-me fiel no extremo do caminho

E de meus cachos correrá bom vinho

Para alegrar a festa da Aliança...

Jamais esgotaremos a riqueza dos simbolismos que Jesus nos apresenta nesta alegoria da Videira. A videira extrai do solo os nutrientes que irá transformar em energia e doçura, cores e fragrâncias. Sob os raios do sol, produzirá as tonalidades do Bordeaux e os sabores do Valpolicella. Reunida a família, o vinho estreitará os corações, regendo os cânticos festivos e difundindo a alegria renovada. Mas para tudo isso, a uva deve ser esmagada...

Jesus Cristo crucificado é a uva que se deixou esmagar. Sim, o vinho não foi escolhido por acaso como sinal sacramental. Ao lado do trigo generoso, também os cachos de uva devem ser colhidos, amputados do tronco, levados ao lagar e ali pisados sem piedade.

Contemplar o Cristo Crucificado significa ter diante dos olhos a imagem daquele que foi calcado pelos homens. Seu sangue pisado é nossa bebida salutar. Sangue todo derramado, distribuído até a última gota, quando a lança aguda do centurião romano rasgou o lado de Jesus, “e imediatamente saiu sangue e água” (Jo 19, 34).

Na Eucaristia, uma vez alimentados pelo Corpo e Sangue de Cristo, passa a correr em nossas veias o Sangue derramado. Por este sacramento de vida, entramos em íntima comunhão com o Doador universal. Nas palavras ousadas de São Cirilo de Jerusalém, tornamo-nos com Jesus Cristo concorpóreos (sýssomos) e consanguíneos (sýnaimos). De certo modo, nós somos cristificados com ele. Com ele e com sua missão salvadora...

Daí em diante, como poderíamos negar-nos a ser pisados em benefício dos outros? Como negaríamos nosso esforço e trabalho, suor e cansaço, para ajudar a caminhada de nossos irmãos? Como iríamos, ainda, alimentar projetos de acumulação e glória, comodidade e lazer? Como nos limitaríamos a viver nossa própria vidinha, quando a própria vida de Cristo corre em nossas veias? Quando a cruz do Calvário nos é oferecida?

Sim, permanecer em Jesus não sai barato. O preço desse amor sem medidas é a cruz partilhada. Desde o áspero Calvário, Simão de Cirene inaugurava tal modo de participação no amor e na cruz. Por isso mesmo, talvez, tão poucos escutem o seu convite...

Um fruto dessa permanência é a alegria interior. Todos conhecem o velho refrão: “Um santo triste é um triste santo!” E houve inimigos da Igreja, como Nietzsche, que nos deram uma boa ajuda ao apontar a inércia e a cara amarrada dos cristãos. Com razão, creio, pois conhecer a Jesus e viver “de tromba”, “emburrado”, é um terrível contratestemunho!

Infelizmente, ainda há gente que considera a alegria, o riso e as brincadeiras como coisa pecaminosa, incompatível com a santidade. Triste engano! Nas entrelinhas do Evangelho, percebemos que o próprio Jesus gostava de umas brincadeiras, como quando passou a chamar de “filhos do trovão” (i. é, Boanerges) os dois apóstolos que se ofereceram para invocar o fogo do céu sobre os samaritanos. (Cf. Mc 3, 17; Lc 9, 54.)

Mas a alegria que Jesus deseja derramar em nossos corações não é a alegria barulhenta (ou alacridade) das maritacas que roem coquinhos na ramagem. Não é uma espécie de alegria que se manifesta como agitação muscular, epidérmica. Ele pensa em uma alegria mais profunda (a letícia), que brota de um coração cumulado de amor e se traduz em paz.

Há uma condição para experimentar esta alegria, que é fruto do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22). Guardar os mandamentos de Jesus, assim como Ele guarda os preceitos do Pai, permite que permaneçamos em seu amor. Aí seremos alegres. “Disse-vos isto para a Minha alegria estar em vós e a vossa alegria ser completa”. (Jo 15, 10-11.)

Isto permite entender a vida de Marthe Robin, a mística francesa que fundou os Foyers de Charité: vivendo no próprio corpo a Paixão de Cristo todas as semanas, por 50 anos; paralisada em um pequeno divã e sem poder comer ou beber coisa alguma, vivia na maior alegria, ria com uma gargalhada brejeira e, de quebra, atendeu pessoalmente ou em pequenos grupos, nada menos que... 100 mil pessoas! Ouvi este testemunho de pessoas que conviveram ela.

Permanecer em Jesus é permanecer no amor. Todo amor verdadeiro traz uma exigência de estabilidade. Como a ave marinha busca pelo rochedo onde descansará, assim o amor sai da pessoa amante à procura da pessoa amada. Amor: movimento em busca de descanso. Amor: dinamismo em busca de equilíbrio...

O verbo “permanecer” é formado de um prefixo “per” [= por completo, totalmente] e do verbo latino “manere” (do qual deriva o substantivo “mansão”, o lugar de repouso, a casa da família). Assim, permanecer é ficar em definitivo, sem mudanças e transferências, como quem encontrou seu espaço “permanente”, seu porto de chegada.

Jesus quer permanecer em nós. Por iniciativa dele, jamais nos separaríamos. A única condição para essa permanência é que nós mesmos, usando de nossa liberdade espiritualizada pelo Batismo, jamais interrompamos essa amizade tão íntima. Apenas um ato de volição de nossa parte, recusando o amor e preferindo o mal, pode amputar-nos de seu tronco vital, como ramos decepados da Videira verdadeira.

Vivemos um tempo de coisas provisórias. Objetos descartáveis. No lar de nossos avós, a cristaleira e a velha eletrola eram “incorporadas” em definitivo ao ambiente caseiro. Também as relações eram estáveis, segundo o juramento feito “até que a morte nos separe”. Hoje, assalta-nos uma inquietação interior que leva a quebrar juramentos, abandonar projetos e rejeitar missões assumidas de forma solene. Já não sabemos “permanecer”... Isto explica – ao menos em parte – a “mobilidade religiosa” que faz os fiéis saltarem de Igreja em Igreja, de seita em seita, de filosofia em filosofia, como miquinhos no arvoredo. Em pouco tempo se cansam do novo galho e partem para outra aventura. Assim, não deixam maturar relações profundas, não criam raízes, não esperam pelo tempo da colheita.

Jesus nos convida a permanecer no seu amor. “Manete in dilectione mea” – onde não se lê “amor” (mero sentimento), mas “dileção” (amor dedicado, diligente e, se preciso for, amor sofrido). Trata-se do amor que foi provado pela cruz, pelas crises do casamento, pelas tempestades da vida, pelas tentações do Maligno, pelo salto no escuro.

Somos todos chamados a um amor de eternidade. Um amor mais forte do que a morte (cf. Ct 8, 6).

Antonio Carlos Santini

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