
POR CAUSA DA MULTIDÃO... (Lc 8, 19-21)
Sobre o Evangelho desta terça-feira... (24/09/2024)
Deixo de lado o aspecto central deste Evangelho. Fiquemos em um detalhe: Maria e os “irmãos” de Jesus procuram por ele, mas não podem fazer contato “por causa da multidão”...
Se nós utilizamos o método “alegórico” – tão ao gosto dos Padres da Igreja primitiva – podemos ver a “multidão” como um obstáculo entre Jesus e aqueles que pretendem encontrá-lo. A multidão é ruidosa e tende ao caos. Quem conhece o burburinho de uma feira popular sabe que ali não é o melhor lugar para um encontro íntimo e profundo. A multidão é causa de distrações: a cacofonia dos pregões, os veículos que buzinam, o colorido das mercadorias, o perfume das flores e das frutas – tudo ocupa e desvia os sentidos humanos. É impossível não lembrar a Canção III do Cântico Espiritual, de São João da Cruz:
Buscando meus amores,
Irei por estes montes e ribeiras;
Não colherei as flores,
Nem temerei as feras,
E passarei os fortes e fronteiras.
“Não colher as flores” – é o próprio Autor quem interpreta – significa abrir mão da agitação, dos contentamentos e deleites que se apresentam em nossa vida, e que se tornam obstáculos, impedindo que passemos adiante para o encontro com o Senhor. Eles ocupam o coração, impedem o despojamento e a liberdade para caminhar em busca do verdadeiro amor.
Assim é a multidão, com seus atrativos. Da multidão vêm os aplausos (quando temos sucesso material) e os apupos (se seguimos o Evangelho). É a turba que acena com seus “produtos”, tornados indispensáveis pela propaganda que induz ao consumismo. A multidão é a dona da “opinião pública” – o IBOPE -, que impõe a todos a sua ditadura, a ponto de exigir verdadeiro heroísmo de quem pretende ser autêntico e seguir seu próprio caminho.
O contrário da multidão é o deserto. Ali Jesus se recolheu, em jejum e oração, preparando-se para vencer a tríplice tentação. O contrário da multidão é a montanha, para onde Jesus sobe a ouvir o Pai e realizar o difícil discernimento. O contrário da multidão é o Calvário, onde Jesus entrega sua vida, acompanhado apenas por João e umas poucas mulheres...
Queremos encontrar Jesus? Onde? No silêncio do deserto ou na multidão?
Orai sem cessar: “O Senhor me erguerá sobre um rochedo!” (Sl 27, 5)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
IMAGEM DE CAPA:
Os Pobres Agradecidos
Henry Ossawa Tanner/ EUA/ 1894
90 x 112 cm
Óleo sobre Tela
Coleção Privada, EUA

