POR QUE A BUSCA DE JOVENS PELA IGREJA ESTÁ AUMENTANDO?

Por décadas, a narrativa dominante sobre a religião no Ocidente foi a do declínio constante: desenraizamento, secularização e esvaziamento dos bancos das igrejas. Porém pesquisas recentes — entre elas um estudo da Universidade de Harvard — indicam crescimento substancial entre jovens que se identificam como católicos (relatos apontam até 40% em um ano em determinadas amostras). Várias paróquias nos EUA relatam aumento de até 70% na participação juvenil. A que se deve esse renovado interesse dos jovens adultos pelo catolicismo? O que esta tendência revela sobre dinâmicas espirituais, culturais e pastorais contemporâneas, e quais fatores podem ser levados em conta pelas paróquias brasileiras para acolher os jovens que se aproximam ou se reaproximam da Igreja.

Com base na minha vivência do catolicismo no contexto norte‑americano e da análise de documentos, entrevistas e opiniões de colegas e professores delineio abaixo os principais fatores apontados como contribuidores para este fato.

1. Crise de sentido e limites do secularismo
   Uma causa central é existencial. A narrativa secular dominante — que apresenta a vida como fruto do acaso, sem propósito objetivo — topa com necessidades humanas profundas de significado. Muitos jovens que cresceram sob promessas de “libertação” do religioso experimentam confusão, ansiedade, depressão e um vazio persistente. Quando a narrativa secular falha em responder ao “porquê” da vida, a religião torna‑se uma via plausível de renovação do propósito.

2. Reação ao “wokeismo” e à cultura da autoinvenção
   Há uma reação de jovens às contradições de certas formas dominantes de progressismo cultural (o chamado “wokeismo”) e à cultura da autoinvenção, que relativiza verdades morais. A proposta católica — que afirma verdades objetivas sobre a pessoa humana, a dignidade e o bem comum — oferece uma narrativa coerente que integra liberdade e responsabilidade, justiça e reconciliação. Para muitos que percebem o esvaziamento existencial ou as divisões produzidas por identitarismos polarizadores, o catolicismo surge como alternativa articulada e solidária.

3. Pandemia, isolamento e a ânsia por conexão real
   A experiência coletiva da COVID‑19 expôs a fragilidade das conexões mediadas por telas e renovou o apetite por comunidade encarnada. Ritos de passagem interrompidos, isolamento prolongado e o achatamento da vida sacramental tornaram mais visível o que a presença física oferece: companhia, toque, sacramento e celebração litúrgica. As paróquias que mais crescem entre os jovens costumam ser as que oferecem presença, acolhimento e vida sacramental intensas, atendendo a uma necessidade humana que o ambiente virtual não substitui plenamente.

4. Atração pela tradição litúrgica e pela estética sacramental
   A atração pela liturgia não é mero saudosismo: há uma procura por formas que toquem o humano em níveis profundos. Símbolos, gestos, silêncio, canto e sacramento inserem o coração no sentido do transcendente. A liturgia reverente proporciona experiência de mistério e um enquadramento existencial que rompe com a superficialidade do entretenimento religioso e convoca à profundidade espiritual.

5. Ética sexual, estabilidade e feridas da revolução sexual
   Os efeitos da revolução sexual — solidão, relações frágeis, abortos, confusões identitárias — levam muitos a buscar uma visão que ordene o desejo humano. A moral católica sobre sexualidade e família, apresentada com inteligência e compaixão, pode ser percebida como curativa: não apenas proibições, mas orientações para um florescimento duradouro das pessoas e das relações. Para quem carrega feridas nessa área, clareza doutrinária combinada com acompanhamento pastoral é profundamente benéfico.

6. Vozes católicas persuasivas e acessíveis online
   A nova ecologia midiática tem papel decisivo. Ministérios digitais explicam a tradição de modo claro e atraente — tornaram o ensino católico acessível a quem não procuraria primeiro uma paróquia. Muitos jovens, ao se afastarem das respostas seculares, encontram online apresentações intelectualmente robustas da fé, que funcionam como porta de entrada para a catequese e para uma visita à Paróquia mais próxima.

7. Fome por desafio e virtudes heroicas — especialmente entre homens
   Estudos indicam um interesse maior entre homens jovens: atração pela vida exigente — missão, vocação, sacrifício — em contraste com uma cultura que valoriza conforto e expressão identitária. Quando a Igreja apresenta um apelo claro à santidade e ao florescimento moral, mobiliza um apetite humano por significado, disciplina e seriedade ética.

Implicações pastorais — consolidando e expandindo a tendência

Este movimento é, em grande parte, reação ao vazio do secularismo e expressão da sede humana por Deus. Contudo há o mérito pastoral destacado de algumas paróquias que estão consolidando e expandindo esta tendência. Há, portanto características que são importantes e que deveriam ser encontradas pelo jovem, caso contrário, sua permanência poderá ser efêmera.

Por exemplo, ainda é comum que o jovem de depare numa paróquia com um catolicismo que mais parecer um manual de autoajuda ou um conjunto de consolos ideológicos — nada que preencha a vocação para a santidade. A aproximação dos jovens tem causas transcendentes; a resposta da Igreja deve conduzi‑los ao transcendente. Simplificando, a razão última pela qual uma pessoa cresce na fé e não a deixa é, fundamentalmente, uma: o enraizamento desta fé em um encontro vivo com Jesus Cristo. Se os jovens encontrarem consistentemente o Senhor na Igreja, então, apesar de todos os problemas, frustrações e dores que possam sofrer, eles sempre ecoarão a resposta de São Pedro a Jesus quando ele perguntou se os discípulos o deixariam: "Mestre, para quem havemos de ir? Só o Senhor tem palavras de vida eterna". (Jo 6:68).

Em termos práticos aqui estão as características das paróquias que parecem receber os jovens de maneira mais adequada em sua busca:

• A ênfase no convite e na formação para a santidade e não no uso de uma abordagem terapêutica. Podemos distinguir duas maneiras de apresentar o catolicismo para os jovens: como um convite desafiador ao crescimento na santidade ou apenas como uma versão suave e acomodativa às preferências individuais, o que é chamado de “catolicismo soft”. Este último tende a enfatizar a tolerância emocional e a acomodação das preferências, o que acaba afastando quem está em busca de sentido profundo. Já o apelo duradouro do cristianismo clássico de conversão, de crescimento, de encontro com Deus na oração, de disciplina e de doação de si em cooperação com a graça é o que tem atraído mais os jovens, ao contrário do que se poderia supor.

• Cristocentrismo inabalável.

• Ensino da visão moral como caminho para o florescimento e a verdadeira liberdade, não como um catálogo de proibições.

• Elevação do nível da catequese, hoje muito infantilizada: oferecendo respostas fundadas nos documentos da Igreja, intelectualmente desafiantes e piedosamente apresentadas. Treinamento de catequistas, ministros e sacerdotes para ouvir, incentivar perguntas e responder com clareza e profundidade.

• Encontro com as pessoas onde elas estão, online e presencialmente: com conteúdos digitais de qualidade e investimentos em encontros presenciais — pequenos grupos, retiros, projetos de serviço — que favoreçam relações autênticas.

• Prática de liturgias reverentes e belas; catequizando sobre a importância do mistério, do sacramento e da encarnação.

• Convite à missão: oferecendo retiros, mentorias, projetos apostólicos e promoção vocacional que apresentem a vida cristã como chamado nobre e desafiador.

• Abordagem das feridas da revolução sexual com sensibilidade pastoral: ensino moral aliado a acompanhamento compassivo e programas de recuperação e formação para relacionamentos saudáveis.

• Resistência à ideologias polarizadoras promovendo a Doutrina Social da Igreja: dignidade humana, solidariedade e bem comum como alternativa ao identitarismo e ao individualismo.

• Proteção da liberdade religiosa e o testemunho público: formar líderes e leigos para atuar com civilidade e clareza no espaço público, defendendo direitos de consciência sem alarmismo.

• Prioridade na formação de padres e leigos com seminários e programas de formação contínua que privilegiem a salvação das almas sobre agendas políticas e ideológicas.

  Conclusão

O aumento do interesse dos jovens pela Igreja Católica tem causas múltiplas: fome cultural por significado, presença de vozes digitais persuasivas e práticas paroquiais acolhedoras. Esse movimento é motivo de esperança pois mostra que os tesouros da Igreja — oração, doutrina, sacramento, tradição e visão moral — continuam a responder a necessidades humanas profundas. Consolidar esses “ganhos” exigirá cuidado pastoral, formação intelectual, convite sério à santidade e vigilância na formação do clero e dos leigos, de modo a oferecer um testemunho fiel, exigente e misericordioso. Se essas prioridades forem seguidas com prudência e criatividade, o interesse juvenil atual pode amadurecer em renovação duradoura. Mas nada disso se sustenta se desviarmos o olhar d’Aquele que é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

Texto de Rafael Andrade Filho, Mestrando em Educação Católica e Teologia pelo Augustine Instituto, EUA. Membro da Comunidade Word on Fire Ministers. https://www.facebook.com/br.rafael.andrade

BIBLIOGRAFIA

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Relatórios e estudos

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- PEW RESEARCH CENTER. Reports on millennials and religion (página‑guia com relatórios e PDFs): https://www.pewresearch.org/topics/millennials/

- PUBLIC RELIGION RESEARCH INSTITUTE (PRRI). Pesquisas sobre juventude e religião. Página de relatórios: https://www.prri.org/

- CENTER FOR APPLIED RESEARCH IN THE APOSTOLATE (CARA). Pesquisas sobre jovens adultos católicos — relatórios e briefs em PDF: https://cara.georgetown.edu/research/ (ex.: “What Do Young Adult Catholics Want?” e outros briefs; PDFs disponíveis)

Saúde mental e pandemia

- WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Mental health and COVID‑19: scientific brief. Genebra: WHO, 13 mai. 2020. PDF disponível: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-Sci_Brief-Mental_health-2020.1

Livros e estudos acadêmicos

- TAYLOR, Charles. A Secular Age. Cambridge, MA: Belknap Press of Harvard University Press, 2007.

- SMITH, Christian; LUNDQUIST DENTON, Melinda. Soul Searching: The Religious and Spiritual Lives of American Teenagers. New York: Oxford University Press, 2005.

- TWENGE, Jean M. iGen: Why Today's Super‑Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy—and Completely Unprepared for Adulthood. New York: Atria Books, 2017.

- RATZINGER, Joseph (BENTO XVI). The Spirit of the Liturgy. San Francisco: Ignatius Press, 2000.

- CAMPBELL, Heidi A. When Religion Meets New Media. New York: Routledge, 2013.

Obras práticas / pastorais e recursos online (muitos com acesso grátis)

- WEDDELL, Sherry. Forming Intentional Disciples. Huntington, IN: Our Sunday Visitor, 2012. (livro; recursos práticos e resumos gratuitos no site oficial: https://www.disciplesmakers.org/ — materiais e guias PDF)

- WORD ON FIRE / BISHOP ROBERT BARRON. Recursos digitais, vídeos e artigos (acesso público): https://www.wordonfire.org/

- NEW YORK TIMES; NATIONAL CATHOLIC REGISTER; CRUX. Pesquisas de caso e reportagens sobre crescimento juvenil nas paróquias — procure por termos como “young Catholics returning to Church” nestes sites.