a close up of a fan on a person's head

TESTEMUNHAS DA EUCARISTIA: PRIMEIROS CRISTÃOS

COMO A EUCARISTIA FOI ACEITA E PROFESSADA PELOS PRIMEIROS CRISTÃOS.

ARTIGOSFUNDAMENTOSEUCARISTIACATEQUESEPRFÉ E RAZÃO

Rafael Andrade Filho

COISAS QUE ACONTECEM

Em um encontro da catequese, o catequisando pergunta à Dona Rosário, a catequista melhor PREPARADA da paróquia:

- Dona Rosário, sobre a eucaristia, um amigo me disse que as comunidades primitivas não entenderam e distorceram o ensinamento de Jesus Cristo...

D. Rosário, após limpar os óculos, como se quisesse ganhar tempo para pedir aos céus paciência e compaixão, responde de maneira simples e, ao mesmo tempo, impactante:

- “Ora, mas espere aí. Os primeiros cristãos e os Apóstolos estavam lá presentes, enquanto seu amigo e você não estavam. É mais provável vocês distorcerem do que eles. Por que é que dois mil anos de afastamento tornariam vocês mais aptos a darem um testemunho fidedigno? Essa aí é uma ‘curiosa’ inversão, meu querido. Se eu te contasse que meu falecido avô me fez um pedido antes de morrer, seria totalmente descabido que você, quem não estava lá nem o conheceu, me dissesse que eu entendi tudo errado. As fontes primárias são as fontes primeiras: os apóstolos são quem estava lá e testemunhou os fatos e as palavras. E as comunidades cristãs, que em parte assistiram e em parte perguntaram para outras pessoas que assistiram, são quem recebeu dos apóstolos esses ensinamentos...” [1].

Não houve mais perguntas.

PARA PENSARMOS

Podemos enumerar várias causas do crescente abandono da igreja católica pelos jovens. A principal delas parece ser a falta de preparo dos irmãos católicos, principalmente dos colegas catequistas, em conhecer corretamente os fatos e as razões da fé, incluindo os fatos históricos, tanto para ensiná-los quanto para serem capazes de responder corretamente às perguntas e dúvidas legítimas do catequisando. Boa parte dos jovens dizem que não têm as suas perguntas respondidas na catequese e por isso passam a tomar a doutrina católica como um conjunto de crenças supersticiosas, o que tem consequências ruins como a visível e crescente ausência dos jovens nas missas.

Meditando sobre a pequena anedota acima, podemos considerar a importância do testemunho como a fonte verdadeira de conhecimento. Note que todo o conhecimento que temos sobre qualquer assunto é baseado no testemunho. Ainda que um cientista faça um experimento em seu laboratório e nos relate que encontrou tais e tais resultados, seu relato é originado no seu testemunho. Se eu mesmo presencio um fato, não preciso de provas para saber que ele é verdade. Infelizmente, no clima alienante de hoje, muitas pessoas escolhem acreditar no que é lhes é dito do que crer em ‘seus próprios olhos’.

OS TESTEMUNHO DOS PRIMEIROS CRISTÃOS

O testemunho dos primeiros cristãos é o relato histórico por aqueles que lá estavam de como era a vida na igreja primitiva, de como aquelas comunidades receberam e aceitaram os ensinamentos transmitidos pelos apóstolos. Naquela época, dar testemunho da sua fé em Jesus Cristo equivalia muitas vezes ao martírio. Aliás a palavra "mártir" vem do grego martyria, que também significa "testemunha". Ora, como disse Dona Rosário, as fontes primárias são as fontes primeiras, no sentido de que são as mais fidedignas. Portanto, o testemunho daqueles que estiveram com nosso amado Senhor, os apóstolos, é o mais importante quando se trata de saber o que Ele quis dizer com tais e tais palavras. Mais adiante o testemunho daqueles que conviveram com os apóstolos e os sucederam, como os varões apostólicos, passa a ser o mais importante, pois esses receberam dos próprios apóstolos o depósito da fé definitivo e a incumbência de transmiti-lo e de preserva-lo.

Dentre esses testemunhos, aqueles dos “Padres da Igreja” são considerados como os de maior credibilidade, pois são aqueles que combinam o testemunho com a santidade de vida e a antiguidade. O Cardeal e Santo John Henry Newman descreve bem a importância desse testemunho dos padres da Igreja, e como o testemunho se distingue da opinião privada dos Padres, quando diz:

REFERÊNCIAS:

[1] Baseada em fato real testemunhado durante aula de filosofia e registrado em CARVALHO, O. Curso Online de Filosofia: transcrição da aula 05 do dia 25 de abril de 2009.

[2] NEWMAN, J. H. Discussions and arguments on various subjects. New impression. Londres: Longmans, Green and Co., 1907. Dispon[ivel em: https://www.newmanreader.org/works/arguments/index.html

[3] O'CONNOR, James T. The Hidden Manna: A Theology of the Eucharist. San Francisco: Ignatius Press, 2005. 398 p. Disponível no Kindle. Infelizmente não foi traduzido para o português.

[4] ibidem, p. 16.

[5] ibidem, p. 16.

[6] ibidem, p. 17.

[7] ibidem, p. 19-20.

[8] JUSTINO MARTIR. Diálogo de Justino com Trifão. 1. ed. Repositório Cristão, 2022. eBook do Kindle. P. 73.

[9] Lion, I. Against Heresies. 11. ed. Book V, Cap. II. Grapevine India, 2024. eBook Kindle. p. 666.

[10] CESAREIA. E. História Eclesiástica. 26. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1999. 416 p.

“isto é verdadeiro porque, de fato, foi professado e assim tem sido por todas as Igrejas até os nossos tempos, sem interrupção, desde os apóstolos.”

Com o poder do testemunho em mente e deixando aqui de lado argumentos teológicos e exegéticos, convido você leitor, amigo evangelizador, a confiar e apreciar os testemunhos dos primeiros escritores cristãos, aqueles que vivenciaram diretamente como a Eucaristia foi entendida, recebida, professada e ensinada pelos apóstolos, aqueles que de fato lá estavam e que morreram por ela. Se alguém tivesse alguma dúvida sobre como a Igreja muito antiga dos dois primeiros séculos interpretou as palavras de Jesus, há abundantes citações de escritos cristãos desse período que provam a realidade do Corpo e Sangue de Cristo na Eucaristia.

Vai além do escopo deste artigo dar todos os fundamentos bíblicos e patrísticos do ensinamento da Eucaristia. Um excelente resumo dos ensinamentos dos primeiros cristãos está disponível no livro do Monsenhor James T. O'Connor, The Hiden Maná [O Maná Oculto][3]. Alguns dos mais essenciais estão citados abaixo.

O TESTEMUNHO DAQUELES QUE TOMARAM O LUGAR DOS APÓSTOLOS.

INÁCIO DE ANTIOQUIA:

Um dos testemunhos mais poderosos vem das últimas cartas de Santo Inácio, bispo de Antioquia (apenas um outro bispo serviu nesta cidade entre Pedro, o Apóstolo, e Inácio). Ora, uma pessoa que morreu no ano 107, já adulto, pode muito bem, temporalmente, ter conhecido pessoalmente o apóstolo João, por exemplo. Foi enquanto estava em trânsito para Roma, o lugar de seu eventual martírio no ano 107, que Inácio escreveu uma série de epístolas esplêndidas às várias igrejas locais. À Igreja Cristã de Esmirna, ele escreveu para reclamar daqueles que não receberam a Eucaristia:

“Eu sigo os antigos Padres, não pensando que em tal assunto eles tenham o peso que possuem em matérias de doutrina e ordenança. Quando eles falam de doutrinas, falam delas como universalmente aceitas. São testemunhas do fato de que essas doutrinas foram recebidas, não aqui e ali, mas em todo lugar. Nós recebemos aquelas doutrinas que eles, dessa forma, ensinam, não apenas porque as ensinaram, mas porque eles dão testemunho de que todos os cristãos em todos os lugares então as aceitavam. Nós os consideramos informantes honestos, mas não autoridades de pleno direito, embora eles também sejam autoridades.... Eles não falam da sua opinião privada; não dizem "isto é verdadeiro porque nós o vemos nas Escrituras” - uma opinião sobre a qual poderia haver divergências de julgamento, mas dizem "isto é verdadeiro porque, de fato, foi professado e assim tem sido por todas as Igrejas até os nossos tempos, sem interrupção, desde os apóstolos” em que a questão é meramente de testemunho, ou seja; se eles tinham os meios de saber o que havia sido professado e assim permanecido; pois se foi a crença de muitas Igrejas independentes ao mesmo tempo, sem dúvida só pode ser verdadeira e a apostólica”[2].

"Observe bem aqueles que são heterodoxos em relação à graça de Jesus Cristo que veio até nós; veja como eles se opõem à mente de Deus. A caridade não lhes interessa, nem as viúvas, nem os órfãos, nem os oprimidos, nem os que estão na prisão ou em liberdade, nem os famintos nem os sedentos. Eles se abstêm da Eucaristia e da oração, porque não confessam que a Eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu por nossos pecados e que, em sua bondade, o Pai ressuscitou”[4].

“Tende o cuidado de observar uma só Eucaristia; pois há apenas uma Carne de Nosso Senhor Jesus Cristo e um cálice de união com seu Sangue, um altar de sacrifício [Gr. Thusiasterion], como há um bispo com os presbíteros e meus conservos, os diáconos.”[5]

JUSTINO MARTIR

Em sua famosa Apologia datada de 150, São Justino Mártir, um filósofo romano que se converteu por volta de 135, escreveu o seguinte no decorrer de sua descrição do culto de adoração dos cristãos:

IRENEU DE LYON

Outro elo importante com o tempo dos Apóstolos é Santo Ireneu, bispo de Lyon, na França. Nasceu por volta do ano 130 e conta-nos que, quando menino, ouvia a pregação de São Policarpo, bispo de Esmirna, que era discípulo de São João Apóstolo. Ele escreve em seu livro, Contra as Heresias, condenando aqueles que ensinavam que o corpo humano não foi salvo:

‘Já, então, ele profetizou sobre os sacrifícios que lhe são oferecidos em todo lugar por nós, gentios, falando, isto é, sobre o Pão da Eucaristia e o cálice da Eucaristia’[8].

Em outra de suas obras, Justino também chama a Eucaristia de sacrifício. Escrevendo em um diálogo com um judeu que ele chamava de ‘Trifão’, ele cita o profeta Malaquias (Mal 1, 10-12), que afirma que um sacrifício puro será oferecido em nome de Deus entre os gentios. Justino escreve:

Santo Inácio, na sua carta à Igreja de Filadélfia, relaciona a realidade do Corpo e do Sangue com a celebração do sacrifício de Cristo, dando assim um testemunho muito precoce do fato de que os primeiros cristãos viam a celebração da Eucaristia como um sacrifício:

Baseando seu ensinamento na primeira carta aos Coríntios (10,17), Santo Inácio, em sua carta aos Efésios, exorta os cristãos a terem apenas uma assembleia (a não se separar), liderada por um bispo e a:

"partir um só pão que é o remédio da imortalidade e o antídoto contra a morte que oferece vida para todos, em Jesus Cristo"[6].

“...E quando aquele que preside deu graças, e todo o povo clamou, aqueles a quem chamamos diáconos dão o pão, o vinho e a água sobre os quais foi feita a ação de graças (literalmente, ‘o pão, o vinho e a água eucharistizados’) para ser recebido por cada um dos presentes, e depois eles o levam aos ausentes.

Este alimento chamamos de Eucaristia, que ninguém tem permissão para compartilhar, exceto aquele que crê que nosso ensino é verdadeiro, e que foi lavado com a lavagem que é para a remissão dos pecados e para a regeneração, e assim vive como Cristo transmitiu. Pois não os recebemos como pão comum e bebida comum; mas, assim como Jesus Cristo, nosso Salvador, fazendo-se carne pela palavra de Deus, tinha carne e sangue para nossa salvação, assim também aprendemos que o alimento pelo qual se deu graças pela oração da palavra que vem dele, e pelo qual nosso sangue e carne são nutridos por meio de uma mudança, é a Carne e o Sangue do mesmo Jesus encarnado. Pois os Apóstolos, nas memórias compostas por eles e que são chamadas de Evangelhos, transmitiram o que lhes foi ordenado; a saber, que Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, disse: ‘Fazei isto em memória de mim; este é o meu Corpo’; e que, da mesma maneira, tendo tomado o cálice e dado graças, ele disse: ‘Este é o meu sangue’, e o deu a eles sozinho” .[7]

“Vãos em todos os aspectos são aqueles que rejeitam toda a dispensação de Deus, e negam a salvação da carne, e desprezam sua regeneração, dizendo que ela não é capaz de incorrupção. Mas se esta carne não é salva, então o Senhor não nos redimiu pelo seu Sangue, nem o cálice da Eucaristia é a Comunhão do seu Sangue, ou o pão que partimos a Comunhão do seu Corpo.

Quando, portanto, o cálice que foi misturado e o pão que foi feito recebem a Palavra de Deus e se tornam a Eucaristia e o Corpo de Cristo, dos quais a substância de nossa carne é aumentada e sustentada, como eles podem afirmar que a carne é incapaz de receber o dom de Deus, que é a vida eterna, em que a carne é nutrida do Corpo e Sangue do Senhor e é membro Dele? … E assim como a videira plantada na terra frutifica em sua estação, e como um grão de trigo caindo na terra e se decompondo sobe com multiplicidade pelo Espírito de Deus que contém todas as coisas e então, pela sabedoria de Deus, serve para o uso dos homens, e tendo recebido a Palavra de Deus se torna a Eucaristia, que é o Corpo e o Sangue de Cristo: assim também nossos corpos, tendo sido nutridos por esta Eucaristia e depois colocados na terra e sofrendo decomposição lá, ressuscitarão a seu tempo, a Palavra de Deus concedendo-lhes a ressurreição para a glória de Deus Pai”[9].

Um dos aspectos mais importantes da Eucaristia é que ela é uma promessa de vida eterna. Aqui Santo Irineu inverte o argumento para provar que a promessa de Cristo na Eucaristia deve ser real porque a promessa de vida eterna que ela dá é verdadeira.

Uma Aplicação Atual.

Uma argumentação falsa que tem sido usada pelos anticatólicos, sem base histórica ou qualquer evidência credível, é a de que a crença na Presença Real do Corpo e Sangue de Cristo e na Eucaristia como sacrifício começou na Igreja no século IV, depois que Constantino declarou que o cristianismo era a religião do Império Romano.

Ora, os testemunhos históricos, muito antes do édito de Constantino em 313, documentados em livros como o do historiador Eusébio de Cesaréia - História Eclesiásticas [10] - e em sermões e cartas dos Padres da Igreja às Igrejas primitivas, como as cartas de Inácio de Antioquia, de Irineu e de vários outros escritores importantes, demonstram claramente a falácia daquelas afirmações. Ninguém que conheça os escritos dos Padres pós apostólicos poderia honestamente sustentar outra ideia, que não a da Presença Real e o caráter de sacrifício da Eucaristia, como entendida e transmitida pelos apóstolos, os quais foram as testemunhas oculares da vida e dos ensinamentos de Cristo.