UM MUNDO MORAL (Sl 19 [18])
Sobre o Salmo 19 [18]
SALMOSSL 19FÉ E RAZÃOPR
"O Salmo 19 divide-se em duas partes. Os seis primeiros versículos são sobre o mundo fisico e suas maravilhas. Os oito versículos restantes lembram-nos que esse mesmo universo é também um mundo moral. Esse fato certamente é de grande importância e significado.
O conhecimento da realidade chega a nós de várias maneiras. A ciência nos diz muito sobre como as coisas acontecem, mas o mundo que ela descreve é frio, sem vida, impessoal, Por si só, essa jamais poderia ser uma descrição adequada da realidade. Temos outras fontes de conhecimento e uma delas é nosso senso moral de certo e errado. Acredito que sei com absoluta certeza que o amor é melhor que o ódio, que a verdade é melhor que a mentira, que torturar crianças é errado. Não posso sequer por um minuto pensar que essas ideias são meras convenções de nossa sociedade e que simplesmente decidimos por uma questão de gosto não submeter crianças ao cavalete e aos anjinhos[1], Uma questão moral, como não mentir, é algo bem diferente de uma questão cultural, como não querer comer carne de cavalo. Há vários tipos desses condicionamentos culturais em ação nas escolhas que fazemos, porém, na base deles) existe um conhecimento moral verdadeiro de certo e errado, que faz parte de nosso encontro com a realidade do mundo.
Evidentemente algumas pessoas consideram que esses sentimentos de dever moral são apenas regras para sobrevivência, inseridas em nós ao longo da história da evolução por nossos genes egoístas. Preocupamo-nos com as crianças simplesmente para assegurar a continuidade de nossa herança genética. Isto me parece uma ideia das mais implausíveis. Quando alguém põe em risco a própria vida ao invadir um prédio em chamas a fim de tentar salvar alguma pessoa desconhecida com quem não tem nenhuma relação, com razão elogiamos sua coragem e admiramos seu desprendimento. E impossível compreender esse ato ético segundo algum cálculo implícito de vantagem genética.
De que maneira, então, este mundo físico, constituído de matéria e energia, também é o palco de escolhas morais feitas de acordo com nossas mais profundas intuições de certo e errado? Deve haver muito mais coisas envolvidas na realidade do que a ciência foi capaz de descrever em seus próprios termos autolimitados de causa e efeito físicos. Deve haver uma dimensão espiritual que corresponda a nossas experiências como seres morais. Acredito que nossas intuições de exigências éticas são indicações da vontade boa e perfeita de nosso Criador. Somos seres morais porque somos criaturas em um mundo criado por um Deus de amor e justiça.
Oração
Que as palavras da minha boca e o murmúrio do meu coração sejam aceitos em tua presença, Senhor, meu rochedo e meu defensor! (Sl 19, 15)"
[1] Instrumentos de tortura
Excerto do Livro POLKINGHORNE, J. Um cientista lê a Bíblia. ed. Loyola, São Paulo, Brasil, 1998.
John Charlton Polkinghorne (Weston-super-Mare, 16 de outubro de 1930 - Cambridge, 9 de março de 2021) foi um físico, teólogo e sacerdote anglicano inglês. Foi proeminente voz de liderança na explanação da relação entre religião e ciência, foi professor de física matemática na Universidade de Cambridge de 1968 a 1979, quando abdicou de sua cátedra para estudar para o sacerdócio, ordenado sacerdote Igreja Anglicana em 1982. Foi presidente do Queens' College (Cambridge), de 1988 a 1996. Recebeu o Prêmio Templeton de 2002.