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DA NUVEM SAÍA UMA VOZ (Lc 9,28b-36)

Antonio Carlos Santini

8/6/2025

Neste Evangelho da Transfiguração do Senhor, temos duas realidades de alto valor simbólico na Sagrada Escritura: a nuvem e a voz. Na primeira, Deus se oculta; na segunda, Deus se manifesta. Desde já, é inevitável a aproximação desta cena com o momento do batismo de Jesus no Jordão. Também ali, enquanto o Filho saía das águas e João via o Espírito Santo baixar sobre Jesus na forma visível de uma pomba, a mesma Voz proveniente da nuvem fazia um reconhecimento: “Tu és o meu Filho bem-amado...” (Mc 1,11; Mt 3,16-17)

Estamos diante de uma manifestação trinitária, uma teofania em que transparecem as três Pessoas da Santíssima Trindade: a voz do Pai, a presença histórica do Filho nascido de Mulher e o Espírito divino, tanto na visão da pomba, no Jordão, quanto na irradiação luminosa do Tabor.

A reação dos discípulos inclui temor, silêncio e segredo. É a atitude humana “normal” perante o sagrado. Algo semelhante ao modo como reagiam os hebreus no deserto, quando a montanha fumegava (Ex 19,21-24) ou a nuvem divina preenchia o espaço da tenda de reunião (Ex 33,8-10).

Quando Pedro sugere erguer três tendas na montanha, “não sabia o que estava dizendo”, comenta Lucas. É sempre assim quando falamos das coisas divinas. As linguagens humanas – códigos criados para recortar o mundo em que vivemos – são impróprias para designar as realidades espirituais, a vida post mortem e os atributos divinos. Recorremos a imagens antropomórficas ao falar de Deus, referindo-nos à “mão” de Deus, a seus “olhos”, ao “dedo da mão direita do Pai” [digitus paternae dexterae], chegando ao absurdo de representar o Pai eterno – que, eterno, é imune ao tempo - como triste velho encanecido.

Por isso, diante de nossa incompreensão das coisas espirituais, Jesus precisa recorrer a imagens para nos apresentar o Reino de Deus: tesouro escondido, sementes na terra, grão de mostarda, fermento do pão, rede de pesca etc. Nós também não sabemos bem o que dizer de tudo isso, e precisamos da contribuição de místicos e poetas para superar o muro grosseiro de nossa razão.

É dentro destes limites humanos que vivenciamos nossa fé: entre a nuvem e a voz. Existem fases de obscuridade, quando nosso Deus parece distante, indiferente, e a nuvem nos envolve. Há horas de consolo, quando a voz se faz clara, ressoa suave em nosso íntimo e tudo se ilumina como no Tabor.

Por enquanto, é hora de descer a montanha e assumir nossa missão...

Orai sem cessar: “Senhor, à tua luz nós vemos a luz!” (Sl 36,10)

Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

Escute a reflexão no vídeo abaixo

Leitura do Evangelho de São Lucas, Cap. 9, 28-36

A transfiguração —28Mais ou menos oito dias depois dessas palavras, tomando consigo a Pedro, João e Tiago, ele subiu à montanha para orar. 29Enquanto orava, o aspecto de seu rosto se alterou, suas vestes tornaram-se de fulgurante brancura. 30E eis que dois homens conversavam com ele: eram Moisés e Elias que, 31aparecendo envoltos em glória, falavam de sua partida que iria se consumar em Jerusalém. 32Pedro e os companheiros estavam pesados de sono. Ao despertarem, viram sua glória e os dois homens que estavam com ele. 33E quando estes iam se afastando, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui; façamos, pois, três tendas, uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”, mas sem saber o que dizia. 34Ainda falava, quando uma nuvem desceu e os cobriu com sua sombra; e ao entrarem eles na nuvem, os discípulos se atemorizaram. 35Da nuvem,porém, veio uma voz dizendo: “Este é o meu Filho, o Eleito; ouvi-o”. 36Ao ressoar essa voz, Jesus ficou sozinho. Os discípulos mantiveram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram coisa alguma do que tinham visto.

Texto da Bíblia de Jerusalém.

IMAGEM DE CAPA:

TRANSFIGURAÇÃO

Duccio / 1311

Galeria Nacional, Londres, Reino Unido.

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