
E NÃO ANDAVAM MAIS COM ELE
Antonio Carlos Santini (Jo 6, 60-69)
Quando os adversários de Cristo depreciam os evangelhos como se fossem imaginação piedosa de comunidades cristãs, não levam em conta que esses livros não registram apenas milagres e portentos de Jesus, mas também seus fracassos. Os evangelistas não mascaram situações adversas, como os discípulos que fogem, e os milagres que não acontecem (cf. Mc 6,5) atestam a veracidade dos evangelhos...
Neste Evangelho de João, ao final do discurso eucarístico de Jesus, fica registrado que muitos discípulos abandonaram o Mestre (cf. Jo 6,66). A razão do abandono foi o aceno feito por Jesus ao sacramento da Eucaristia: comer de sua carne... beber de seu sangue...
Comentando esta mesma passagem, Louis Bouyer observa com notável agudeza: “A ligação entre fé e sacramento é seguramente - e é bom ficar atento a isto – o que se conclui de todo este capítulo. Para São João, fé e sacramento são dois termos inseparáveis: é à fé que o sacramento se dirige, e a fé se alimenta pelo sacramento. A fé é precisamente a aceitação do dom de Deus trazido a nós pelo sacramento. Fé e sacramento mantêm, pois, para o 4º Evangelho, uma relação que não deixa de ter alguma analogia com a relação que liga a Vida e a Luz”.
Abandonar o Mestre... Como isto ainda é frequente! Quantas “conversões” que não passaram de conversinha! Um momento de exaltação, juras de amor, logo seguidas de hesitações, reservas, contestações e recusas... A primeira impressão era a de tomar posse dos dons de Deus. Até mesmo de controlar a Deus. Logo se percebe que não somos donos do Dono, e que ele pode negar nossas pretensões ou apresentar exigências extremas.
A verdadeira fé vai-se manifestar na hora noturna. A emoção inicial já se foi. A exaltação dá lugar ao combate. O Deus que provocava arrepios sentimentais parece mudado para outro planeta. E seu Evangelho insiste em falar de mãos vazias (pobreza), coração puro (castidade) e cabeça baixa (obediência). Hora de fugir?
Leitores do mundo inteiro manifestaram-se chocados com a revelação de que Madre Teresa de Calcutá viveu décadas no mais extremo silêncio de Deus. O livro “Venha, seja minha luz” publicou as cartas em que a Santa dos pobres fala dessa longa noite escura. Mas ela não fugiu...
Orai sem cessar: “Senhor, estou pronto para ir contigo!” (Lc 22,33)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
Leitura do Evangelho de São João 6, 60-69.
60Muitos de seus discípulos, ouvindo-o, disseram: “Essa palavra é dura! Quem pode escutá-la?” 61Compreendendo que seus discípulos murmuravam por causa disso, Jesus lhes disse: “Isto vos escandaliza? 62E quando virdes o Filho do Homem subir aonde estava antes? 63 O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. 64 Mas entre vós há alguns que não creem". Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo. 65 E acrescentou: "É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mima não ser que lhe seja concedido pelo Pai". 66 A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás
e não andavam mais com ele. A confissão de Pedro —67Então, disse Jesus aos Doze: “Não quereis também vós partir?” 68Simão Pedro respondeu-lhe: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna e 69 nós cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.
Fonte: Bíblia de Jerusalém
SANTO AGOSTINHO
Phillipe de Champaigne / 1650 .

