EU NÃO TENHO NINGUÉM... (Jo 5, 1-16)
Antonio Carlos Santini
4/1/2025
De tempos em tempos, a água da “piscina” de Bethesda borbulhava. O primeiro enfermo que entrasse na água ficava curado. Milagre? Não sei. Alguma propriedade curativa da composição salina da água? Não sabemos. Mas sabemos do cenário terrível formado por um amontoado de cegos, coxos e paralíticos à beira da piscina. Talvez uma cena parecida com aquela que presenciei na rodoviária de Imperatriz, MA, em uma de minhas viagens missionárias. A miséria humana em todos os aspectos...
E ali está, estendido no chão, um doente anônimo. E sofre sua enfermidade há 38 anos. Jesus se aproxima e faz uma pergunta chocante, quase indecente, diria alguém: “Queres ficar curado?” A resposta é fria, resignada: “Não tenho ninguém... Ninguém que me leve à piscina quando a água se movimenta”.
Temos a impressão de que o infeliz se acostumou à própria desventura: é assim que as coisas são. Por isso mesmo, é provável que o doente tenha ficado surpreso com a ordem recebida: levantar-se e ir embora. Curado, é claro! Sem fé, sem esperança, puro dom gracioso de alguém que se compadece...
Dom Claude Rault se inspira nesta passagem para nos alertar para o conformismo com nossa situação. “Em nossa vida espiritual, aquilo que mais nos tenta é a petrificação, a esclerose, que inevitavelmente leva ao desânimo. E abaixamos os braços. O mesmo ocorre em nossa vida pessoal. O mesmo na vida comunitária ou eclesial. “Sempre fizemos assim...” Então, a nova brotação que só pede para crescer torna-se madeira petrificada. Quantas iniciativas mortas no ovo porque nós não cremos na vida”.
Ao contrário da reação do homem da piscina de Bethesda, nunca é tarde demais! É sempre mais cômodo ceder à tentação de justificar-se: “Deixemos para outros que virão depois, outra pessoa que tenha mais imaginação, mais oportunidades. Meu tempo passou. Não é mais para mim...”
Dom Rault quer mudar nosso desânimo: “Jesus vai romper este círculo infernal e diz ao enfermo: ‘Levanta-te, toma tua enxerga e anda!’ Jesus não discute. É inútil. Ele dá uma ordem. Somente uma palavra de autoridade pode devolver a vida ali onde só existe morte, imobilismo e esclerose. Que fazia aquele homem, a não ser comprazer-se em sua própria morte?”
E tudo muda num repente! Eis o homem curado, de pé, carregando sua ridícula padiola rua afora. E ele ainda sofrerá com os fariseus incomodados com sua cura, também eles esclerosados e engessados em uma camisa de força disfarçada de preceitos...
E nós? Queremos ser curados? Ou vai dar muito trabalho?
Orai sem cessar: “Tem piedade de mim, Senhor, pois perdi as forças!” (Sl 6,3)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
Leitura do Evangelho de São João, Cap. 5, 1-16.
Cura de um enfermo na piscina de Betesda —1 Depois disso, por ocasião de uma festa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. 2 Existe em Jerusalém, junto à Porta das Ovelhas, uma piscina que, em hebraico, se chama Betesda, com cinco pórticos. 3 Sob esses pórticos, deitados pelo chão, numerosos doentes, cegos, coxos e paralíticos ficavam esperando o borbulhar da água. 4 Porque o Anjo do Senhor descia, de vez em quando, à piscina e agitava a água; o primeiro, então, que aí entrasse, depois que a água fora agitada, ficava curado, qualquer que fosse a doença. 5 Encontrava-se aí um homem, doente havia trinta e oito anos. 6 Jesus, vendo-o deitado e sabendo que já estava assim havia muito tempo, perguntou-lhe: “Queres ficar curado?” 7 Respondeu-lhe o enfermo: “Senhor, eu não tenho ninguém que me jogue na piscina, quando a água é agitada; ao chegar, outro já desceu antes de mim”. 8 Disse-lhe Jesus: “Levanta-te, toma o teu leito e anda!” 9 Imediatamente o homem ficou curado. Tomou o seu leito e se pôs a andar. Ora, esse dia era um sábado. 10 Os judeus, por isso, disseram ao homem curado: “É sábado e não te é permitido carregar teu leito”. 11 Ele respondeu: “Aquele que me curou, disse: ‘Toma o teu leito e anda!’ ” 12 Eles perguntaram: “Quem foi o homem que te disse: ‘Toma o teu leito e anda’?” 13 Mas o homem curado não sabia quem fora. Jesus havia desaparecido, pois havia uma multidão naquele lugar. 14 Depois disso, Jesus o encontrou no Templo e lhe disse: “Eis que estás curado; não peques mais, para que não te suceda algo ainda pior!” 15 O homem saiu e informou aos judeus que fora Jesus quem o tinha curado. 16 Por isso os judeus perseguiam Jesus: porque fazia tais coisas no sábado.
Fonte: Bíblia de Jerusalém
CRISTO CURANDO O PARALÍTICO NA PISCINA DE BETESDA
Bartolomé Esteban Murillo / 1667 - 1670
Óleo sobre tela
© Galeria Nacional de Londres, Reino Unido
Esta pintura mostra um dos sete atos de caridade descritos no Evangelho de Mateus e fazia parte de uma série que Murillo pintou para a igreja do Hospital de la Caridad em Sevilha. A Caridad era uma irmandade de caridade dedicada a ajudar os pobres e doentes da cidade; o próprio Murillo era um membro. Aqui, Cristo convida o homem a ficar de pé, curando-o; seus gestos de mão espelhados capturam a conexão poderosa entre eles. Os braços erguidos do homem criam um movimento ascendente, como se ele estivesse sendo levantado do chão por uma força invisível – uma evocação visual do milagre acontecendo.
