EUCARISTIA: AMAMOS UM MISTÉRIO!
Nosso segundo fundamento - Nutridos pela Eucaristia. (2)
FUNDAMENTOSEVANGELIZAÇÃOARTIGOSEUCARISTIAPR
Desde criança, amava os mistérios, fossem eles contos de acontecimentos sem solução, atribuídos por meu pai a assombrações, fossem questões de biologia, de física - como a natureza dos raios – ou, os mais intrigantes para mim, os da astronomia.
Embora gostasse muito desta jornada espetacular pelos mistérios da ciência natural, alguns solucionáveis e outros insolúveis, tal jornada finalmente me deixaria muito insatisfeito, sem a Paz e a completude que ansiava. De onde muitos ainda estão presos, em busca daquele conhecimento que lhe acalme o coração, fui levado, pela graça e misericórdia divina, ao momento luminoso da compreensão humilde, mas inteligente, de que o ser humano não pode saber tudo, e que nossa mente não é a “medida de tudo nos céus e na terra”[1], especialmente nos céus. Só me restava então buscar o verdadeiro grande mistério: quem seria a incrível fonte de todas as coisas, o Criador, o objetivo final dos átomos e das estrelas, das flores e da mente humana?
Esse longo e maravilhoso caminho de volta, desde a alienação da realidade ao encontro dela mesma em Deus, mais especificamente naquele em quem vivemos, nos movemos e somos, levou-me a outros mistérios. A Fé, sempre nos leva aos verdadeiros mistérios. A Eucaristia, “fonte e cume de toda a vida cristã”[2], é talvez o mistério de maior importância, pois é por ela que Deus, “em Cristo, santifica o mundo...”[3].
No entanto, parece que boa parte dos católicos perdeu a fé na real presença do Corpo e do Sangue de Cristo, no pão e no vinho. Em 2019, um completo estudo realizado nos Estados Unidos, pelo Pew Research Center trouxe à tona uma situação muito preocupante[4]. Entre os autoidentificados como Católicos, apenas 31% acreditam que “durante a missa, o pão e o vinho se tornam o corpo e o sangue de Jesus”. Os demais 69% acreditam que “o pão e o vinho são apenas símbolos do corpo e do sangue de Jesus”. Um indicativo das causas de tão triste situação é o fato de que entre os entrevistados que não acreditam na Real Presença, 62% deles pensam que o ensinamento da Igreja é mesmo o de que o pão e o vinho são apenas símbolos. Tal fato demonstraria a incompetência catequética das paróquias. E quem convive no dia a dia das paróquias brasileiras, onde a devida importância e os recursos necessários são negados à catequese em geral, não deveria ter razões para acreditar que a situação local é muito diferente das paróquias norte americanas. O assunto da deficiência atual da catequese nos tomaria muito tempo aqui e será abordado em separado em outro artigo – ou livro, já que o assunto é extenso.
Ainda assim, segundo aquele estudo, um em cada cinco católicos (22%) rejeita a ideia de transubstanciação, embora conheçam o ensinamento correto da Igreja. Ademais, temos os irmãos protestantes que rejeitam completamente a Eucaristia. Segundo o Padre Benedict Groeschel, também doutor em psicologia pela universidade de Columbia, a origem da dificuldade que as pessoas têm em acreditar na presença Real na Eucaristia está na própria dificuldade destas pessoas em conviver com o mistério [4]. "Como é que aquele pedaço de pão se transforma no corpo de Cristo? Se isso não pode ser explicado, então eu não acredito”. Ora, se formos acreditar apenas no que pode ser explicado e provado, será melhor nem sair de casa, pois a existência mesma do mundo não pode ser explicada e provada. Sugiro a leitura do artigo “Deus e os Astrônomos” neste site.
Para lidar com os mistérios divinos, é necessário, antes de tudo, ter uma abertura da mente e uma aquiescência da alma para conviver com eles, significando que, os mistérios da fé não são para serem resolvidos, mas sim vividos.
O QUE É MISTÉRIO?
A palavra "mistério" tem origem no latim mysterium, que significa "culto secreto". Em grego, a palavra é mysterion, que vem do verbo myo, que significa "fechar" ou "ocultar". No uso comum, "mistério" significa simplesmente aquilo que realmente existe, mas não pode ser visto ou compreendido. Sabemos apenas que uma realidade misteriosa existe por seus efeitos, que podemos experimentar de alguma forma limitada.
A maioria das pessoas entende mistério como sendo aquilo que não pode ser compreendido, mas que lhes falta apenas uma informação para tornar tudo claro, como num mistério de assassinato. Não é disto que tratamos aqui, mas sim de mistérios teológicos. O mistério teológico é aquele que trata da verdade divina - ou das realidades divinas - e a verdade divina sempre será misteriosa por dois motivos: é infinita e eterna.
Em sendo infinita, conhecê-la está acima da capacidade finita de nossas mentes.
Em sendo eterna, está fora do espaço tempo em que estamos inseridos e, portanto, transcende a ordem das coisas sensíveis.
Em seu poderoso estudo, Os Mistérios do Cristianismo, Matthias Scheeben, o grande teólogo do século XIX, resume a necessidade de um senso de mistério para conhecer as realidades divinas de forma bastante eloquente:
REFERÊNCIAS:
[1] NEWMAN, J. H. Discourses addressed to mixed congregations (illustrated). 1. ed. Aeterna Press, 2014. P. 274-275. ISBN 1785163485. Disponível em: Kindle.
[2] Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15. Citado em: Vaticana, Edição. Catecismo da Igreja Católica (Portuguese Edition) (p. 653). Kindle Edition.
[3] Sagrada Congregação dos Ritos, Instr. Eucharisticum mysterium, 6: AAS 59 (1967) 545. Citado em: Vaticana, Edição. Catecismo da Igreja Católica (Portuguese Edition) (p. 653). Kindle Edition.
[4] GROESCHEL, B. J.; MONTI, J. In the presence of our Lord: the history, theology, and psychology of Eucharistic devotion. 1. ed. Huntington: Our Sunday Visitor, 1997. 335 p. ISBN 978-0879739201.
[5] Disponível em: https://www.pewresearch.org/short-reads/2019/08/05/transubstantiation-eucharist-u-s-catholics/
[5] SCHEEBEN, M. J. The mysteries of Christianity. New York: Herder & Herder, 2008. p 4. ISBN 978-0824524302.
[6] Recomenda-se a leitura dos parágrafos 36 e 37 do Catecismo da Igreja Católica.
[7] CROSS, S. J. Ascent of Mount Carmel: with linked table of contents (English edition). 1. ed. Sublime Books, 2015. Livro II, Cap 3, p. 110-111. eBook Kindle. ASIN B00OVVS8IU.
[8] Catecismo da Igreja Católica: São Paulo: Edição típica Vaticana, Loyola, 2000. Parágrafo 50.
[9] cf. 1 Cor 2, 9.
[10] SHEEN, F. J. Your life is worth living. 1. ed. [S.l.]: DIGITAL FIRE, 2021. 395 p. eBook Kindle.
“Longe de repudiar o cristianismo ou considerá-lo com olhos desconfiados por causa de seus mistérios, devemos reconhecer sua grandeza divina nesses mesmos mistérios.”
COMO ENTÃO PODEMOS CONHECER VERDADES DIVINAS?
O entendimento, ainda que limitado, das verdades divinas pode ser alcançado pela luz natural da razão, mediante a observação das coisas criadas. Porém, na condição de seres decaídos, temos dificuldades enormes de conhecer as verdades de Deus apenas pela razão natural, pois são verdades que, como já mencionado, transcendem por completo a ordem das coisas sensíveis, sendo, portanto, necessário que sejamos iluminados pela revelação divina [7]. E para sermos “iluminados” pela revelação, é necessária a fé. A pessoa disposta e dotada por Deus de fé, passa a ver toda a sua experiência neste mundo à luz da vida que nunca se acaba, ou seja, à luz da eternidade. Parece-me claro que é isso que São João da Cruz quis dizer quando escreveu:
"Quanto maior, mais sublime e mais divino for o cristianismo, mais inesgotável, inescrutável, insondável e misterioso deve ser seu conteúdo. Se seu ensinamento é digno do Filho unigênito de Deus, se o Filho de Deus teve que descer do seio de Seu Pai para nos iniciar nesse ensinamento, poderíamos esperar outra coisa senão a revelação dos mistérios mais profundos encerrados no coração de Deus? Poderíamos esperar outra coisa senão revelações sobre um mundo superior e invisível, sobre coisas divinas e celestiais, que 'olhos não viram, nem ouvidos ouviram' e que não poderiam entrar no coração de nenhum homem?
Se Deus nos enviou Seu próprio Espírito para nos ensinar toda a verdade, o Espírito de Sua verdade, que habita em Deus e ali sonda as coisas profundas de Deus, esse Espírito não deveria revelar nada de novo, grande e maravilhoso? Ele não deveria nos ensinar segredos sublimes?
Longe de repudiar o cristianismo ou considerá-lo com olhos desconfiados por causa de seus mistérios, devemos reconhecer sua grandeza divina nesses mesmos mistérios. Tão essenciais para o cristianismo são seus mistérios que, em seu caráter de verdade revelada pelo Filho de Deus e pelo Espírito Santo, ele seria condenado por contradição intrínseca, se não apresentasse mistérios. Seu Autor carregaria consigo uma má recomendação para Sua divindade se Ele nos ensinasse apenas as verdades que, em última análise, poderíamos ter aprendido de um mero homem, ou poderíamos ter percebido e compreendido adequadamente por nossos próprios poderes sem ajuda” [6].
“Assim é a fé para a alma; diz-nos coisas jamais vistas ou entendidas em si mesmas nem em suas semelhanças, pois não as têm. Sobre as verdades da fé não podemos ter luz alguma de ciência natural, porque não são proporcionadas aos nossos sentidos. Somente pelo ouvido cremos o que nos é ensinado, submetendo cegamente nossa razão à luz da fé. Porque, como diz S. Paulo, “A fé entra pelo ouvido" (Rm 10,17); como se dissesse: a fé não é ciência que se possa adquirir pelos sentidos, mas só pela aquiescência da alma ao que lhe entra pelo ouvido...
É evidente, portanto, ser a fé a noite escura para o homem, que paradoxalmente o ilumina; e quanto mais escuridão ela traz sobre ele, mais luz irradia. Porque cegando-o, dá-lhe luz, conforme diz o profeta Isaias, se você não crê, não entenderá, ou seja, não terá luz (cf. Is 7, 9)” [8].
“Um sacramento é qualquer coisa material ou visível usada como sinal ou canal de comunicação espiritual. Deus fez este mundo com senso de humor. Dizemos que uma pessoa tem senso de humor se puder ver através das coisas, e sempre devemos vê-Lo através das coisas, como fazem os poetas. Deveríamos olhar para uma montanha e pensar no poder de Deus; no pôr do sol e pensar na beleza de Deus; em um floco de neve e habitar na pureza de Deus. Observe que, [se assim fosse], não estaríamos levando este mundo tão a sério quanto os materialistas, para quem uma montanha é apenas uma montanha, um pôr do sol é apenas um pôr do sol e um floco de neve é apenas um floco de neve. As pessoas sérias deste mundo escrevem apenas em prosa, más aqueles que têm esse olhar penetrante que percebe o Eterno através do tempo, o divino através do humano, têm o que chamamos de visão sacramental do universo” [10]
JESUS É O MAIOR DE TODOS OS MISTÉRIOS
Como nos diz o Catecismo da Igreja Católica, “Por decisão totalmente livre, Deus se revela e se doa ao homem. Faz isto revelando seu mistério, seu projeto benevolente que, desde toda a eternidade, concebeu em Cristo... Revela plenamente seu projeto, enviando seu filho bem-amado, nosso senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo” [9].
Deus nos fala e se revela pelas coisas criadas, pelo que Ele nos dá, pelo que temos e pelo que desejamos. Mas, Ele também se revela por palavras: palavras ditas à Abraão, Moisés, os profetas, a Zacarias, José e, finalmente, em um crescendo a uma jovem chamada Maria. E todas essas pessoas disseram "sim" à voz que os chamou e, assim, entra no mundo o maior de todos os mistérios, aquele que une o tempo e a eternidade, esta vida e o mundo além, Cristo, a Palavra de Deus, uma Palavra sem princípio nem fim, atemporal, mas falada no tempo. O Apóstolo nos assegura que:
“...para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em amor e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus, que é Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento."
Ou seja, é na vida de Jesus, o Messias, desde o anúncio de Sua concepção milagrosa no ventre da Virgem Maria até Seu retorno ao Pai, contemplada com a Fé, que estão contidas a sabedoria e o conhecimento necessários para entendermos o mistério de Deus.
O MISTÉRIO DA EUCARISTIA.
O sacramento da Sagrada Eucaristia é um dos sete sinais misteriosos que nos são oferecidos por Deus em sua relação de amor paternal conosco, a qual é imerecida e vivificante. Essas sete realidades divinas - e por isso misteriosas - reúnem eternidade e tempo, divindade e humanidade e, consequentemente, só podem ter sido feitos por Aquele que andou na terra, mas que, em Suas próprias palavras, “desceu do céu” (Jo 3, 13), o Deus -Homem, Jesus Cristo. Quando nosso amado Senhor ascendeu de onde estava, para além do espaço tempo do cosmos material, para junto do Pai, para um domínio do ser que “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou o coração humano...”[10], Ele se tornou a fonte dos sacramentos.
A Palavra Sacramento, do latim, traduz o grego "mystérion", que significa “Mistério”. O Sacramento é um mistério porque sua fonte está no reino dos Céus, em Jesus, no mundo invisível, embora se manifeste em sinais visíveis neste mundo temporal em que vivemos. A água do Batismo é um sinal visível do que está ocorrendo no invisível. A água sozinha não faz nada, mas a água com o Espírito é vivificante. O pão sozinho não é mais que um alimento, mas o pão com o Espírito é o corpo de Cristo, gerado pelo mesmo espírito que o gerou no ventre da virgem Maria.
O Venerável Fulton Sheen, no seu estupendo livro, “Sua Vida Vale a pena Ser Vivida”, que é basicamente um catecismo da Igreja Católica, nos dá uma visão poética da disposição que devemos ter para bem viver os sacramentos:
Cada um destes sete sinais visíveis, ministrados pela Igreja, traz a ajuda gratuita e amorosa do Deus Uno e Trino a nós, seres humanos, que experimentamos da maneira mais dolorosa o peso da natureza humana tal como ela existe agora. Esta é uma natureza boa, mas ferida, buscando a eternidade, mas capturada no tempo, atraída irresistivelmente para a vida, mas presa na teia da morte. Cada um desses sinais - Batismo, Confirmação, Sagrada Eucaristia, Reconciliação (ou perdão dos pecados), Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio - encontra seu próprio fundamento no Novo Testamento. O leitor faria bem em revisar a segunda seção do novo Catecismo da Igreja Católica para aprender sobre esses sacramentos, sem perder de vista que esses sete dons são misteriosos porque são fundados na eternidade. Isso quer dizer que eles são essencialmente realidades sobrenaturais.
Portanto, uma pessoa não pode se aproximar dos sacramentos, sem cair de cara no chão diante do mistério que é Nosso Senhor Jesus Cristo. As seguintes linhas poderosas de São John Henry Newman, padre, bispo, teólogo e Santo, de um luminosíssimo intelecto, que viveu na Inglaterra do século XIX, afirmam eloquentemente a necessidade de uma fé profunda e pessoal para que qualquer pessoa possa lidar de maneira santificante com a revelação cristã e especialmente com a Eucaristia:
“Chego então a esta conclusão; - se devo submeter minha razão aos mistérios, não importa muito se é um mistério a mais ou a menos, quando a fé de qualquer forma é a própria essência de toda religião, quando a principal dificuldade para um investigador é sustentar firmemente que existe um Deus Vivo, apesar da escuridão que o rodeia, o Criador, Testemunha e Juiz dos homens. Uma vez que a mente é quebrada, como deve ser, pela crença de um Poder acima dela, quando compreende que ela mesma não é a medida de todas as coisas no céu e na terra, ela terá pouca dificuldade em seguir em frente. Não digo que vai, ou pode, passar para outras verdades, sem convicção; Não digo que deva acreditar na fé católica sem fundamentos e motivos; mas digo que, uma vez que [a pessoa] acredita em Deus, o grande obstáculo à fé foi removido - um espírito orgulhoso e autossuficiente. Quando um homem realmente, com os olhos de sua alma e pelo poder da graça divina, reconhece seu Criador, ele passou uma linha... ele dobrou o pescoço rígido e triunfou sobre si mesmo. Se ele acredita que Deus não tem começo, por que não acreditar que Ele é Três e ainda assim Um? Se ele possui que Deus criou o espaço, por que não possuir também que Ele pode fazer com que um corpo subsista sem depender do lugar? Se ele é obrigado a conceder que Deus criou todas as coisas do nada, por que duvidar de Seu poder de transformar a substância do pão no Corpo de Seu Filho? [1]
Portanto, uma pessoa não pode lidar suficientemente bem com o mistério da Eucaristia ou com a devoção à presença de Cristo neste sacramento, a menos que tenha um senso vibrante e aberto para conviver com o Misterioso, e, mediante a fé, ter a consciência da incrível e estonteante realidade deste sacramento. A cabeça do leitor deveria, agora, estar cambaleando com o pensamento sobre todos esses mistérios. Se não se sente maravilhado com o que nos é oferecido pelo Criador do Universo, recomendo ao leitor que volte aos últimos parágrafos, lendo-os devagar, porque é possível que esteja perdendo o maior mistério de todos os tempos!