
OUVIRÃO A SUA VOZ... (Jo 5, 17-30)
Antonio Carlos Santini
4/2/2025
Os mortos? Sim. A voz de Deus se dirige também àqueles que estão nos túmulos (v. 28). Aliás, nada que devesse deixar-nos admirados, pois a 1ª Carta de Pedro registra que Jesus Ressuscitado desceu à mansão dos mortos – o Xeol – para anunciar a Boa Nova também aos que já tinham morrido (cf. 1Pd 4,6). Também eles tinham direito à oportunidade de aderir ao Salvador.
E os ícones da Ressurreição – a Anástasis dos orientais – mostram Jesus arrombando as portas do Xeol, derrotando o demônio e puxando o velho Adão pelo pulso, retirando-o de seu túmulo. Jesus Cristo é Senhor dos vivos e dos mortos! Sua voz se dirige a todos eles, sem exceção. E se o morto o ouve - Lázaro que o diga! – a passagem para a vida está à sua disposição.
Sugiro, porém, olhar em outra direção. Refiro-me aos “mortos” deste mundo. Por exemplo, em cinco anos de serviço na Pastoral Carcerária, em um presídio de segurança máxima, nossa equipe da Comunidade Católica Nova Aliança teve a oportunidade de conviver com 900 presidiários. Eram ladrões, traficantes e assassinos. Aos olhos da sociedade, estavam mortos e enterrados.
No entanto, muitas vezes verificamos que continuavam sensíveis à palavra do Evangelho: “Se eu tivesse ouvido isto antes, não estaria aqui hoje!” Era comum ver lágrimas nos olhos dos presos que participavam dos encontros de evangelização. Muitos se confessavam e passavam a comungar. Alguns manifestaram o desejo de serem preparados para a primeira comunhão. Na capela da Casa de Detenção, pudemos realizar o casamento de um presidiário que já convivia com sua mulher. Na Comunidade, chegamos a receber visita de algum deles, já libertado da prisão.
Estavam mortos, mas ouviram a Palavra de Deus. Ninguém apostava neles, mas Deus ainda tinha cartas na manga...
E os demais “mortos”? São muitos: os drogados e traficantes, os fracassados aos olhos do mundo, os favelados sem futuro, todos aqueles que foram descartados pelo sistema. Foi por eles que Madre Teresa deixou a segurança de seu colégio de ricos para levar o abraço de Jesus aos mendigos e leprosos de Calcutá.
“Não se espantem”, escreve São João. “Vem a hora em que todos dos túmulos ouvirão a sua voz.” (Jo 5,28) Nossa sociedade inoculada de desespero e ceticismo será capaz de avivar esta chama de esperança? Estaremos dispostos a investir em nossos mortos? Ou já cruzamos os braços diante do inevitável?
Orai sem cessar: “Senhor, a tua promessa me faz viver!” (Sl 119,50)
Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.
Leitura do Evangelho de São João 5, 17-30.
17 Mas Jesus lhes respondeu: “Meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho”. 18 Então os judeus, com mais empenho, procuravam matá-lo, pois, além de violar o sábado, ele dizia ser Deus seu próprio pai, fazendo-se, assim, igual a Deus. 19 Retomando a palavra, Jesus lhes disse: “Em verdade, em verdade, vos digo: o Filho, por si mesmo, nada pode fazer mas só aquilo que vê o Pai fazer; tudo o que este faz o Filho o faz igualmente. 20 Porque o Pai ama o Filho e lhe mostra tudo o que faz; e lhe mostrará obras maiores do que essas para que vos admireis. 21 Como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho dá a vida a quem quer. 22 Porque o Pai a ninguém julga, mas confiou ao Filho todo julgamento, 2 3a fim de que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou. 24 Em verdade, em verdade, vos digo: quem escuta a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não vem a julgamento, mas passou da morte à vida. 25 Em verdade, em verdade, vos digo: vem a hora — e é agora — em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que o ouvirem, viverão. 26 Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter a vida em si mesmo 27 e lhe deu o poder de exercer o julgamento, porque é Filho do Homem. 28 Não vos admireis com isto: vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvirão a sua voz 29 e sairão; os que tiverem feito o bem, para uma ressurreição de vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de julgamento. 30 Por mim mesmo, nada posso fazer: eu julgo segundo o que ouço, e meu julgamento é justo, porque não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.
Fonte: Bíblia de Jerusalém

